Faltava um cavalo de batalha para os democratas na corrida presidencial nos Estados Unidos. Não falta mais: a restrição à venda de armas seria um belo tema que os rivais de Donald Trump poderiam escolher como bandeira para retomar a Casa Branca em 2020. Mas não o farão. Não apenas porque seria mexer em um vespeiro — tanto lá quanto aqui, no Brasil. Mas principalmente porque, cerca de 70% dos congressistas americanos — tanto democratas quanto republicanos — têm vínculos direta ou indiretamente com a poderosa National Rifle Association (NRA), organização que representa proprietários de armas e a indústria de armamento.
Com os massacres do fim de semana, no Texas e em Ohio, os Estados Unidos somaram 251 tiroteios em massa este ano, segundo a ONG Gun Violence Archive, que registra os casos que deixam pelo menos quatro vítimas _ mortas ou feridas. O número alarmante seria, por si só, suficiente para que o Congresso americano considerasse o tema prioridade. Mas o debate não acontece. Tanto democratas quanto republicanos temem falar em restrição e atrair a pressão da NRA, o ódio dos seguidores e uma campanha de difamação sem precedentes pelas redes sociais.
Após o discurso em que foi contido ao condenar os massacres, Trump fez o ontem o que se esperava do comandante-em-chefe da nação: deu nome aos bois, condenou os supremacistas brancos, cuja retórica é parte fundamental da tragédia ocorrida em El Paso. Acertou o presidente, mas voltou a errar ao atribuir episódios como esses também a jogos violentos de videogame e a doenças mentais.
É uma conclusão simplista, como também o seria culpar o governo Trump por massacres assim. Os massacres, o mais conhecido deles o de Columbine, em 1999, ocorrem com frequência desde a metade do século 20, durante vários governos, republicanos ou democratas.
O atirador do sábado dirigiu mil quilômetros entre Dallas, sua cidade, e El Paso, local onde cometeu os assassinatos. Ele teve bastante tempo, no carro, para pensar no que faria. Não foi uma atitude impensada. Também não há indícios de que jogos violentos tiveram influência em sua atitude. O que há de concreto é um manifesto anti-imigração deixado na internet e armamentos comprados com facilidade. Ele escolheu o local, a 4,5 quilômetros da fronteira com o México, de propósito: queria matar imigrantes mexicanos, aqueles a quem Trump já considerou responsáveis por estupros nos Estados Unidos.
Barack Obama tentou durante sua presidência restringir o acesso às armas, redobrando exigências de documentos de antecedentes criminais para as vendas. Não conseguiu ou esbarrou na pressão da NRA. Trump foi eleito, em grande parte, por quem anda armado ou tem em seus arsenais particulares um hábito, paixão ou hobbies: o homem branco, heterossexual, morador do Meio-Oeste, a América profunda, machista.
Uma pesquisa realizada em 2015 mostrou que 63% dos americanos disseram ter armas para se protegerem de outras pessoas; 40% as detêm para caçar e 34% afirmaram que se tratam de coleção. A campanha do republicano à presidência, em 2016, teve, entre seus maiores doadores, a NRA. Em 28 de abril de 2017, já empossado e perto dos cem dias de governo, Trump afirmou em Atlanta, em uma convenção da NRA:
— Vocês têm um verdadeiro amigo na Casa Branca. Vocês me apoiaram, e eu vou apoia-los.
Não se sabe exatamente como Trump tem os apoiado, mas, do outro lado, a ajudinha continuou. Não diretamente para a Casa Branca, mas para três quilômetros dali, no prédio do Capitólio — e ali, os democratas também não são inocentes.