A Casa Branca e o Kremlin até podem tentar culpar um ao outro sobre quem saiu primeiro do tratado de desarmamento nuclear, mas a verdade é que o mundo, a partir desta sexta-feira (2), ficou mais perigoso.
Nesses tempos de nova velha Guerra Fria, significa dizer que, ao se retirarem do acordo Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty (INF), Donald Trump e Vladimir Putin livram-se de uma das mais importantes amarras que deram algum equilíbrio de poder ao mundo durante três décadas.
Assinado em 1987 pelos presidentes Ronald Reagan (Estados Unidos) e Mikhail Gorbatchev (União Soviética), o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, em português, proibia a fabricação de mísseis com alcance entre 500 e 5,5 mil quilômetros. A combinação representava a espinha dorsal do controle de armas mundial no grupo de acordos que colocaram (colocaram?) fim à Guerra Fria. Cerca de 800 unidades americanas e 1,8 mil soviéticas foram destruídas até 1991, por exemplo.
É fato que o tratado possivelmente tenha se tornado letra morta de uns anos para cá: o governo americano vinha denunciando que os russos já haviam desenvolvido mísseis, como o 9M729, que teria alcance de 1,5 mil quilômetros — superior, portanto, ao estabelecido pelo acordo. O governo Putin diz que esse tipo de armamento não passaria dos 480 quilômetros.
Outro questionamento: por que a existência de um tratado que amarre apenas Rússia e Estados Unidos se, hoje, outras potências, como China, Índia e Paquistão (todas também nações nucleares), teriam capacidade de produção, tecnologia e, mesmo assim, estão livres do acordo? Os russos, que desdenhavam do acerto também há anos, dizem que o tratado dava vantagens aos Estados Unidos.
Livres dos freios para produzirem armas com esses alcances, Estados Unidos e Rússia podem deflagrar agora uma corrida armamentista não apenas entre eles próprios, mas entre seus aliados regionais. O risco maior não é o de uma III Guerra Mundial — até porque a retórica do medo da aniquilação total entre 1945 e 1989 evitou que os dois gigantes se atacassem mutuamente. O provável é o recrudescimento de conflitos regionais, como, aliás, ocorria na Guerra Fria: por procuração. Na Síria e no Iêmen, elas já ocorrem. Península Coreana e Venezuela, onde russos e americanos têm interesses opostos, poderiam ser as bolas da vez. Aliados locais de Washington e Moscou são os mais vulneráveis, porque ficam na linha de tiro direto de uma e de outra potência.
O cancelamento do acordo também azeda o clima para uma discussão decisiva para a segurança internacional, que já ocorre em fóruns de geopolítica, mas que ainda pouco aparece fora da Academia: em dois anos, expira outro dos tratados que mantêm (mantinham?) o mundo seguro: o Start (Strategic Arms Reduction Treaty), que mantém sob freio os arsenais nucleares de Rússia e Estados Unidos. Caso não seja renovado — e não há, definitivamente intenção neste momento de se fazê-lo —, estaremos ainda mais próximos do abismo.