Como se fosse uma receita de bolo, o escritor Marcelo Suano se propõe no livro Como destruir um país - Uma aventura socialista na Venezuela a revelar os passos que o país vizinho trilhou da primeira eleição de Hugo Chávez, em 1999, ao autoritarismo da era Nicolás Maduro.
Doutor e mestre em Ciência Política pela USP e analista internacional, o pesquisador lançará a obra pela editora Citadel — Grupo Editorial na terça-feira, no Auditório da Fiergs, em Porto Alegre, com a presença do vice-presidente Hamilton Mourão, autor do prefácio.
À coluna, Suano comentou o atual estágio da crise venezuelana passados seis meses da proclamação de Juan Guaidó como presidente pela opositora Assembleia Nacional.
Por que o regime resiste?
Por várias razões. Primeiro, eles tomaram conta do governo, depois do Estado e de uma fizeram uma penetração na sociedade para dar respaldo àqueles que tomaram conta do Estado. Há um segmento populacional gigantesco que depende do auxílio do Estado. É um regime autoritário que tentou se tornar totalitário. Não conseguiu porque não contemplou de todas as formas a tomada da sociedade. Houve uma resistência. Mais: o Estado criou uma burocracia gigantesca, que também depende dele para continuar sua sobrevivência. A oposição venezuelana ainda é muito fragmentada, composta por opositores históricos ao chavismo, grupos liberais, indivíduos um pouco mais conservadores, os bem conservadores e grandes defecções do próprio chavismo. A oposição é um conglomerado de indivíduos descontentes.
Juan Guaidó não conseguiu aglutinar essa oposição?
Guaidó vem a reboque da crise da eleição de 2018. Não é um indivíduo que se esperaria que fosse o aglutinador da oposição. É herdeiro de um processo. Há uma massa descontente com o regime, mas que ainda está em busca de uma ação aglutinadora. Qual a capacidade que tem de fazer isso? Ele está se manifestando e se apresentando. Hoje, não existe um esfriamento (do movimento contra Maduro), existe um momento de observação por todas as partes.
O risco de uma ação militar ainda existe?
Ninguém deseja uma intervenção militar. O Brasil não deseja, pelo que tenho ouvido e lido. Particularmente, como cientista político e como alguém que acredita na democracia e na paz universal, não posso imaginar que o melhor caminho é a guerra.
Mourão tem sido voz contrária à intervenção. Como foi o convite para o prefácio?
Tive o privilégio de conhecer o general quando ele ainda estava no Comando Militar do Sul. Foi um dos grandes estimuladores para que eu acabasse escrevendo esse livro. Eu escrevia sobre a Venezuela semanalmente no CeriNews (site sobre política internacional). O general Mourão me deu uma aula de quase uma hora e meia sobre a Venezuela. Fiquei deslumbrado porque é um homem que conhece muito sobre o país. É um indivíduo gentil. Ele acabou escrevendo o prefácio, o que me honrou muito, porque mostra uma característica dos grandes líderes que olham para seus liderados e, ao invés de submetê-los, apenas os engrandecem. Escreveu um prefácio extremamente enobrecedor para mim. Poderia ter dado uma aula nesse prefácio. Não o fez.
O Brasil tem de buscar ser um mediador. Nenhuma interferência, mesmo porque esse é o posicionamento das Forças Armadas brasileiras
MARCELO SUANO
Analista internacional
Que papel o Brasil deve exercer na crise? Diálogo, mediação ou mais pressão?
O posicionamento do Brasil tem de ser o posicionamento que os militares, e especialmente o general Mourão, tem apresentado: soluções pacíficas e diplomáticas. Um processo de mediação, porque é nisso que somos bons. Só gosta de guerra quem não sabe o que ela é. Nãoà toa o general Mourão falou sobre a necessidade de rota de fuga para Maduro. Eu interpreto a partir de algumas manifestações sobre a questão da Síria. Por qual razão a Síria produziu aquela desgraça? Porque ninguém criou uma rota de fuga para aquele indivíduo (o ditador Bashar al-Assad). Aí ele foi até as últimas consequências. O Brasil tem de buscar ser um mediador. Nenhuma interferência, mesmo porque esse é o posicionamento das Forças Armadas brasileiras. Não sou porta-voz delas, mas, pelo que ouvi, é aquilo com o que concordo.
Os títulos dos capítulos sugerem a receita bolivariana para acabar com o país. Livros têm sido lançados mostrando como líderes conservadores também usam do populismo para destruir a democracia. A sua receita aplica-se tanto à esquerda quanto à direita?
O livro é um manifesto à democracia, mostrando que nada pode substituí-la. Ela pode ser horrível para alguns, incompleta, falha, frágil, mas ainda é a melhor joia que temos. Ninguém pode substituí-la. Há várias direitas, como há várias esquerdas. Este livro é uma crítica muito pesada a esse modelo criado na Venezuela, que é de esquerda, destinado ao fracasso desde que foi implantado, apesar de ter encantado muitas pessoas. O bolivarianismo destruiu a democracia pela maneira como se construiu, dialogou, excluiu os demais seguimentos e criou inimigos internos e externos para mobilizar o povo constantemente. É um modelo de fascismo desde o início.