O Paraguai e suas ironias: o presidente Mario Abdo Benítez, que por ora escapou do processo de impeachment, foi acusado de ter fechado um acordo que favoreceria os brasileiros. É exatamente o oposto da suspeita que recaía sobre Fernando Lugo, apeado do poder em 2012. No caso de Benítez, a questão era Itaipu. No de Lugo, sua oposição à oligarquia rural, em grande parte formada por produtores brasileiros, os chamados brasiguaios.
O impeachment de Lugo, considerado golpe parlamentar por setores da esquerda, foi tão rápido que, naquele 22 de junho, quando cheguei a Assunção para cobrir a crise, o governo já havia caído, um novo chefe de Estado estava empossado e as ruas da capital paraguaia tinham silenciado. Ainda respirava-se tensão, havia ameaças de estado de sítio e todo o roteiro conhecido das quarteladas dos velhos tempos. Mas, para um jornalista, o clima era de fim de festa. Foram 36 horas entre a abertura entre a abertura do processo e voto que definiu o fim da era Lugo no Palacio de los López.
O estopim da crise fora o Massacre de Curuguaty, quando 11 agricultores sem-terra e seis policiais foram mortos em uma desastrada operação de desocupação de uma fazenda. Mas o pano de fundo era a tensão entre Lugo, próximo de movimentos sociais, de agricultores sem-terra e de guerrilheiros do Exército do Povo Paraguaio (EPP), e a pressão da oligarquia rural, temerosa de uma novas Cuba ou Venezuela e que se dizia perseguida pelo governo.
O esquerdista Lugo era alinhado ideologicamente aos governos de esquerda latino-americanos — Dilma Rousseff no Brasil, Cristina Kirchner na Argentina, e José Mujica no Uruguai. Sua saída do poder levou o bloco a reivindicar a cláusula democrática, que culminou na suspensão do Paraguai.
Outra ironia: o conservador Benítez também tem o apoio dos parceiros que agora estão no poder — Jair Bolsonaro, Mauricio Macri e Tabaré Vázquez, que, embora do mesmo partido de Mujica está mais ao centro do que o antecessor. Mas, desta vez, o paraguaio precisou recuar para que a história não se repetisse. Nem que fosse às avessas.