A pujança chinesa resplandece com tamanho vigor em 2019 que muitas vezes ofusca a realidade autoritária do país. A China pode ser a segunda maior potência econômica do planeta, nosso principal parceiro comercial, mas, politicamente, é uma ditadura — entre as 14 piores no ranking da Freedom House 2019.
O regime comandado pelo Partido Comunista Chinês fechou 2018 com quase 400 presos políticos, segundo ONGs. É a segunda nação com o maior número de profissionais de imprensa atrás das grades (47, segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas, perdendo apenas para a Turquia, com 68).
Efemérides como a desta terça-feira (4), em que são lembrados os 30 anos do massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), nos ajudam a lembrar os esqueletos no armário do PCC. Os estudantes começaram a se reunir na praça em abril de 1989. Semanas depois eram 1 milhão em frente à foto de Mao Tsé-tung. Por ordem de Deng Xiaoping, na madrugada do dia 4 de junho, os tanques invadiram a praça. Começava o banho de sangue.
A imagem que ficou para o mundo daquele 1989 foi do solitário cidadão tentando impedir o avanço de uma fileira de tanques — registrada no dia 5 de junho. O que o planeta não viu — e ninguém sabe, a não ser o regime chinês — foi o que aconteceu com o homem que peitou os blindados, após ele ser retirado da frente dos veículos. Passados 30 anos, até hoje se desconhece o número total de mortos naquela semana: a variação é absurda e depende da fonte, entre 500 e 2,6 mil.
Hoje, os blindados deram lugar a um arsenal mais discreto, mas igualmente efetivo para o regime chinês: milhares de câmeras em Tiananmen tudo sabem e tudo veem. Em 2016, a China tinha cerca de 176 milhões desses equipamentos de vigilância contra 50 milhões nos Estados Unidos. Em 2022, serão 2,7 bilhões em um país de 1,4 bilhão de habitantes, ou seja, duas câmeras por pessoa.
Na Tiananmen, os equipamentos são os olhos do Big Brother. Desde a chegada do presidente Xi Jinping ao poder em 2012, Pequim reduziu o espaço das liberdades civis. O regime tornou-se cada vez mais repressivo. O partido reforçou o controle sobre a mídia, a internet, os grupos religiosos e as associações da sociedade civil. Xi consolidou seu poder pessoal em grau não visto na China há décadas. É acusado de violar direitos humanos, em especial na região do Tibete.
Os censores do regime reforçaram o controle das redes sociais, monitoram as conversas entre indivíduos e bloqueiam qualquer conteúdo politicamente sensível.
Um novo 4 de junho de 1989 provavelmente não aconteceria — não porque as autoridades estariam menos dispostas a sufocar os gritos com armas, mas porque, provavelmente, os manifestantes não chegariam à praça por conta do aparelho de espionagem interna.
A tragédia daquele dia não está nos livros de História usados pelos estudantes e talvez por isso a maioria dos jovens por lá desconheça o episódio. Se você estiver em Pequim ou Xangai, destinos para os quais o centro do capitalismo migra na velocidade da luz, e tentar buscar no Google "4 de junho de 1989" provavelmente não verá nada demais no noticiário internacional daquele dia. Nos últimos dias, a Wikipédia foi bloqueada em todos os idiomas no país. O controle da internet é uma das formas de o governo manter o poder. O salto econômico do dragão não foi acompanhado pelo degelo político.