Quando um jornalista senta-se na frente de um governante, ele encarna os direitos da sociedade de saber a verdade. Não faz as perguntas para satisfazer apenas suas curiosidades pessoais – embora questões que intrigam o profissional em seu íntimo costumam ser as melhores, porque, em geral, também são aquelas que público gostaria de fazer. Mas é mais do que isso: quando começa uma entrevista com uma autoridade, o jornalista está ali representando seus leitores, um direito outorgado por seu público de o representar.
Uma entrevista não é um interrogatório, mas muitas vezes ganha ares de inquisição porque o entrevistado não compreende esse papel do entrevistador. Ditadores, sabemos, não gostam de conviver com quem lhes faz perguntas. Têm especial ojeriza por jornalistas. Acostumados a seu mundo de faz de conta, onde mandam e seus asseclas simplesmente obedecem, eles acreditam que, diante de câmeras e microfones da imprensa internacional, poderão repetir o que fazem com emissoras e profissionais de imprensa amordaçados em seu país.
Os 17 minutos de conversa entre Nicolás Maduro e o jornalista Jorge Ramos, no dia 25 de fevereiro, só agora serão exibidos pela rede de TV Univisión, uma das mais importantes redes em língua espanhola nos Estados Unidos. No trecho que foi exibido na sexta-feira, pode-se perceber uma aula de como um jornalista deve se comportar diante de um entrevistado agressivo e que, por fim, exibe, em toda a sua plenitude, o autoritário que é.
O diálogo inicia-se com uma questão sobre presos políticos mantidos pelo regime. Maduro nega que na Venezuela haja pessoas perseguidas por orientação ideológica.
— Na Venezuela, não há prisioneiros por causa de seu pensamento político — diz.
Ramos, então, lhe entrega uma lista com os nomes de mais de 400 detidos. O ditador a rejeita:
— Não, não me dê nada que não vou levar, tenha a certeza. Leve seu lixinho, compadre. Pegue seu lixinho, Jorge Ramos, pegue seu lixinho, compadre.
Em um dos trechos mais tensos, Maduro afirma:
— Olha, você vem me provocar, você vai engolir sua provocação, você vai engolir com Coca-Cola sua provocação.
A conversa é encerrada pouco depois. Toda a equipe da Univisión é retida das 19h às 21h30min no Palácio de Miraflores — exatamente um mês antes, eu havia passado por situação semelhante por duas horas na unidade militar localizada bem em frente. Outros colegas chegaram a ficar 24 horas presos naqueles dois meses de crise por conta da proclamação de Juan Guaidó como presidente.
Os profissionais da Univisión foram escoltados até o seu hotel em Caracas. No dia seguinte, deixaram o país. A entrevista, confiscada pelas forças de Maduro, só agora, três meses depois, foi obtida de volta. Não porque Maduro tenha devolvido as gravações. O conteúdo vazou por meio de fontes do próprio Palácio de Miraflores. Ditadores não raro imaginam que controlam a todos o tempo inteiro. Enganam-se.