Lobistas, estrategistas e supostos gurus são figuras que costumam habitar os corredores de Washington, bem mais acostumados a esse tipo de influência do que os de Brasília. Jantares como o que o presidente Jair Bolsonaro teve no domingo (17) com Olavo de Carvalho e seu equivalente americano, Steve Bannon, fazem parte do ritual em DC, como os americanos costumam chamar sua bela capital.
Durante boa parte do evento, na residência do embaixador Sérgio Amaral, Bannon — autoproclamado emissário para salvar o mundo ocidental das "ameaças" da esquerda, e aí incluem-se árabes, muçulmanos, chineses e tudo o que não condiz com sua cartilha branca e cristã — tentou catequizar a delegação brasileira sobre o risco estratégico representado por Pequim e a necessidade de reduzir a codependência com o gigante asiático. Incomodado, nesta segunda-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que não haverá redução do comércio com a China, alinhando-se à ala pragmática do governo. Pragmatismo, aliás, que sempre fez bem não só à economia mas também à política externa.
— Precisamos comercializar com todo mundo — disse.
A declaração do ministro põe certa ordem na casa. A China é o principal comprador dos produtos brasileiros e um eventual rompimento causa calafrios em produtores agrícolas. Tanto que, enquanto os gurus do bolsonarismo vilipendiam as relações com Pequim, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em sintonia com as preocupações do setor, organiza uma missão para a China com o objetivo de aumentar o número de estabelecimentos que podem exportar carne bovina, suína e frango para os chineses, além de aumentar a pauta exportadora para o país.
Nem Bannon nem Olavo de Carvalho estão em seus melhores dias como conselheiros (ou gurus) presidenciais. O primeiro teve seus méritos por ter erigido a figura de Donald Trump presidente, com uma narrativa que agradou ao eleitorado branco, conservador, trabalhador cansado do progressismo democrata-obamista. Mas, tão logo chegou à Casa Branca, só faltou sentar-se na cadeira presidencial. Foi defenestrado antes do final do primeiro ano de mandato. Saiu atirando, servindo de fonte oculta ou não a jornalistas que se aventuraram em revelar os bastidores nada gloriosos da presidência trumpiana. Hoje, Bannon é visto como traidor por quase todos os homens do presidente.
Olavo ainda não caiu no mesmo descrédito em relação a Bolsonaro. Mas não está longe. Ou você, uma vez presidente, confiaria em um suposto conselheiro ideológico que prevê que seu governo pode cair em seis meses? O racha que o escritor-filósofo-astrólogo provoca no governo é claro. E não precisa nem abrir a boca para propagar suas críticas aos negócios com os chineses. Basta que diga, como disse no domingo, que o vice-presidente Hamilton Mourão é um "idiota". É estratégia de Olavo tentar colocar o presidente contra a ala militar. Os generais têm se destacado como os mais moderados e racionais até agora em política externa.
O guru já mostrou seu poder na Esplanada ao exigir demissões na pasta da Educação — o ministro Ricardo Vélez, fritado, não integra a delegação em Washington — e no Itamaraty, com o afastamento do diplomata Paulo Roberto de Almeida da direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri).
As pressões existem, é do jogo. Mas, passados os jantares, quando Bolsonaro sentar-se frente a frente com Trump, nesta terça-feira (19), é bom deixar os palpiteiros de plantão na antessala do Salão Oval da Casa Branca. Dentro, que fiquem apenas profissionais ou aqueles que estão legitimamente eleitos por suas nações para representá-las.