Davos irá apresentar o mundo real a Jair Bolsonaro. O presidente embarca no próximo domingo para a Suíça, onde fará sua estreia internacional, participando do Fórum Econômico Mundial.
A ironia é que Bolsonaro, seu filho Eduardo Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo, três dos integrantes da delegação, ficarão frente a frente, na cidade alpina, com a nata do que chamam de "globalismo" — o suposto conluio internacional organizado pela elite progressista para dominar o planeta nos campos político, econômico, empresarial, cultural e além. Nos corredores do evento, certamente Bolsonaro, Eduardo e Araújo irão se encontrar com líderes como Angela Merkel, a encarnação do demônio para os antiglobalistas por sua defesa de fronteiras abertas à imigração. Também trocarão sorrisos amarelos com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Gutérres, com o diretor-presidente da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, e com a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde — três órgãos e líderes que encarnam, segundo essa visão de mundo, o chamado "marxismo cultural".
Davos é a meca da globalização, com 70 chefes de Estado e mais de 3 mil participantes entre políticos, economistas, empresários, acadêmicos. Seu fundador, Klaus Schwab, idealizou a edição deste ano com temas azedos ao governo brasileiro: busca por soluções comuns para problemas como imigração e mudanças climáticas. É tudo o que Bolsonaro, Eduardo e Araújo não querem para o Brasil, como já ficou claro em discursos de campanha, pronunciamentos de posse e primeiros movimentos da política externa, como a saída do Pacto Global das Migrações e alinhamentos bilaterais.
Se não concorda, não reconhece esses órgãos, o que Bolsonaro irá fazer em Davos? O fórum combina com as propostas de reforma liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes, que também estará lá, mas a delegação sairá da Suíça tendo levado um choque de multilateralismo. Ouvir o outro lado é sempre saudável. Empatia é uma qualidade fundamental aos diplomatas. E, para um governante, um excelente exercício.
A viagem de Bolsonaro a Davos é semelhante a de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. À época, o mundo queria ver como aquele metalúrgico convertido em presidente se sairia diante dos liberais. A estreia dissipou dúvidas sobre seus planos e propósitos do PT no poder. Na semana que vem, o planeta irá olhar para Bolsonaro com lupa para entender o que exatamente ele quis dizer com "livrar o país do socialismo", suas idas e vindas sobre os compromissos do Acordo de Paris e demarcação de terras indígenas e o que, afinal, significa ser antiglobal.