Conhecido pelas iniciais MBS, Mohammad bin Salman gosta de ser visto como o príncipe moderninho, responsável por medidas como permitir que mulheres possam dirigir na Arábia Saudita. O herdeiro da casa de Saud gasta milhões de petrodólares em marketing para construir e manter essa imagem. Sempre que pode, está com a barba bem cortada emoldurando o sorriso enigmático ao lado de líderes globais.
Foi assim na Copa, quando, sentado ao lado de Vladimir Putin, na tribuna do estádio Luzhniki, em Moscou, assitiu à partida de abertura entre Rússia e Arábia Saudita. O futebol é sua grande estratégia de influência. Não à toa, seu governo pagou caro para levar a Seleção Brasileira para jogar contra a Argentina em Jedá, na segunda-feira. MBS é capaz de jogadas arriscadas: foi capaz até de reconhecer Israel, incomum para um líder árabe.
Mas não se engane: a Arábia Saudita é uma monarquia feudal com desprezo absoluto por direitos humanos. E MBS, que pode estar por trás do desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi, é daqueles déspotas esclarecidos que a história conhece bem: vai modernizar o reino à fórceps, patrolando a oposição, prendendo e matando, se necessário.
Ao mesmo tempo em que deflagrou um programa para diversificar a economia e liberalizar estruturas sociais – além de dirigir, às mulheres foi permitido entrar em estádios –, MBS lançou mão de todo seu poder para perseguir seus críticos, proibindo-os de viajar e os colocando atrás das grades. Khashoggi, que fugiu do país, começou a escrever colunas para o jornal americano The Washington Post, denunciando os métodos autocráticos do príncipe. Tudo indica que MBS tenha ficado irritado com os textos e ordenado a armadilha em Istambul.
O sumiço do jornalista é uma tragédia pessoal e coletiva. Um ataque à imprensa e à liberdade de expressão. Mas é mais: o caso mexe com o jogo político do Oriente Médio e constrange os Estados Unidos. MBS é o parceiro da vez da Casa Branca na região e figura central nos planos de Donald Trump para barrar o Irã (aliado russo) e neutralizar o Estado Islâmico. Some-se a isso o fato de a Arábia Saudita ser o principal produtor de petróleo do mundo e maior comprador de armas americanas. Armas, aliás, usadas pelos sauditas para massacrar o Iêmen.
Toda essa história poderia ser apenas uma operação para “dar um susto” no jornalista, método conhecido das ditaduras. Ou teria sido um interrogatório que “deu errado”, como ventilado pelo governo saudita. Ninguém, entretanto, planeja dar “um susto” levando junto na equipe um médico forense, especializado em dissecar cadáveres.