A abertura da Copa entre Rússia e Moscou não chegou a ter o glamour de um Irã x EUA, como na Copa de 1998, ou uma Alemanha Oriental x Alemanha Ocidental, em 1974. Rússia e Arábia Saudita não são nações inimigas diretamente, mas, ainda assim, estão em lados opostos no Oriente Médio e travam guerras por procuração e influência na região.
A imagem do presidente Vladimir Putin ao lado do príncipe saudita Mohammad bin Salman, com direito a troca de sorrisos a cada gol da goleada russa, na tribuna do estádio Luzhniki, em Moscou, é daquelas em que geopolítica e futebol se misturam.
Caso você não se lembre, Bin Salman é o príncipe "moderninho" do reino saudita, responsável pelas recentes medidas liberalizantes, como a decisão de permitir que mulheres possam dirigir. Na verdade, ele é o segundo homem mais poderoso de uma das casas mais conservadoras do Oriente Médio. Só agora também mulheres poderão assistir a jogos de futebol em estádios públicos e foram nomeadas para cargos importantes.
Putin, você sabe, é um dos homens mais poderosos do mundo, recentemente ganhou por mais de 60% dos votos um novo mandato que só terminará em 2024. Exerce principal força de oposição aos Estados Unidos no planeta e, para muitos, flerta com o autoritarismo ao censurar a imprensa e criminalizar oposição, com violações de direitos humanos – algo que, provavelmente, você não verá durante a Copa.
A Arábia Saudita é uma monarquia feudal com desprezo absoluto por direitos humanos, uma insuperável intolerância religiosa e que se vê como última barreira diante da crescente influência do Irã xiita.
É aí que entra a curiosidade do primeiro jogo da Copa. O Irã tem na Rússia de Putin seu principal aliado. Irã e Arábia Saudita brigam pela hegemonia no Oriente Médio e usam o pobre Iêmen como campo de batalha.
Aliás, a abertura da Copa foi marcada pela ausência de grandes nomes entre chefes de Estado e de governo ocidentais – o que, de certa forma, representa a relação delicada do governo Putin com boa parte da Europa e com os EUA. Algumas delegações chegaram a ameaçar boicotar o Mundial depois da crise deflagrada pelo envenenamento de um ex-espião russo e de sua filha no Reino Unido.
O episódio levou a expulsão de quase 150 diplomatas russos de países como EUA, Reino Unido, França, entre outros. O Kremlin retaliou na mesma moeda. A vingança ocidental, quem sabe, pode ter vindo na abertura do mundial. Havia representantes de ex-repúblicas soviéticas, um membro do governo norte-coreano e dois sul-americanos, como os presidentes de Bolívia, Evo Morales, e do Paraguai, Mário Abdo Benítez. A China, principal aliado russo na região, não mandou ninguém.
Já viu nosso podcast "A Copa e o Mundo"?
Na segunda edição do podcast "A Copa e o Mundo", discutimos política e futebol – dois temas que, volta e meia, acabam influenciando um ao outro (clique acima).
Um exemplo foi a polêmica recente com o cancelamento do amistoso entre as seleções da Argentina e de Israel, que ocorreria em Jerusalém. Palestinos pediram a Messi que não participasse na partida, que chamavam de ação política de Israel. Na sequência, militantes palestinos se reuniram nas proximidades do local em que a seleção argentina treinava, em Barcelona, com um uniforme da equipe manchado de vermelho, como se fosse sangue. A partida acabou sendo cancelada pela Associação de Futebol Argentina (AFA). O ministro israelense das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, acusou a Argentina de ter cedido aos que "pregam o ódio contra Israel".
Neste podcast, eu e o professor Fabiano Mielniczuk, das Relações Internacionais da UFRGS e da ESPM, lembramos outros episódios que misturam política e futebol. E houve até uma guerra em 1979 por causa, em parte, do que ocorria dentro de campo.