Nada me surpreende. Tenho longa vivência com a Conmebol e os torcedores argentinos. Ao longo de quatro décadas, só coleciono dissabores. Lembro a Copa do Mundo, em 1978. O comentarista Ênio Mello e eu fomos escalados para cobrir Argentina x Peru, no Estádio Gigante del Arroyito, em Rosário.
Tão logo terminou Brasil 3x1 Polônia, disputado em Mendoza, os argentinos ficaram sabendo que teriam de ganhar por quatro gols de diferença para chegar à final, em Buenos Aires. Aí começou a pressão.
O ônibus que trazia os peruanos foi apedrejado, os jogadores receberam tapas e socos no caminho para o vestiário. Entraram em campo com muito medo. Não havia TV naquela época, a não ser as da transmissão do jogo.
Nós, jornalistas brasileiros, éramos ameaçados nas arquibancadas com o grito "aquel que no salta es un brasileño". Como fizeram 6 a 0, saímos ilesos. Claro que este jogo era da Fifa, mas era dos argentinos.
Estava no pequeno estádio de La Plata onde o Grêmio enfrentou o Estudiantes, em 1983. Foi um inferno para jogadores, torcedores e jornalistas. Bastava ser brasileiro para ser hostilizado.
Jogadores do Grêmio foram agredidos no intervalo, jornalistas também. Um verdadeiro inferno, com policiais fazendo de conta de que não era com eles. O que aconteceu ao Estudiantes? Nada.
Veio o ano de 2015. O Boca teve a melhor campanha da fase de grupos. O River, a pior. O regulamento dizia que o primeiro enfrentaria o 16º. Foi o que deu: o grande clássico argentino deveria ser disputado entre Boca e River.
No segundo jogo, na Bombonera, quando os jogadores do River voltavam do vestiário, torcedores do Boca jogaram gás de pimenta no túnel inflável, originando a hospitalização de cinco ou seis jogadores por bom tempo. O que aconteceu: somente a eliminação do Boca daquela Libertadores.
Por fim, quero relembrar os episódios da Arena e o comportamento do treinador Marcelo Gallardo. Mesmo suspenso, ele se comunicou com seu auxiliar o tempo todo, invadiu vestiário e trancou a porta impedindo que os fiscais da Conmebol o retirassem dali. Desrespeitou a entidade e levou de pena apenas quatro jogos. Pena muito branda, tangenciando a impunidade absoluta.
Grande final
Os argentinos chamavam a decisão da Libertadores de 2018 de "a maior do mundo", dentro do espírito megalomaníaco de que Maradona é maior e melhor do que Pelé. Eles acreditam nisso. O que se viu neste sábado foram cenas inacreditáveis.
Primeiro, o Boca leva seu time para o Monumental de Nuñez em um ônibus logotipado. Erro absoluto, sabendo que todos que estariam pelas ruas seriam torcedores rivais, historicamente violentos e agressivos.
O outro erro grave é que a Polícia Militar de Buenos Aires não fez um arrastão pelas ruas onde passaria o ônibus do Boca, tirando dali os torcedores. O que as imagens mostram é uma multidão de torcedores do River jogando pedras, bombas, garrafas. O River será punido pelo que fez sua violenta torcida?
Impunidade
Tudo isso me lembra o que ocorre entre nós. Um brigadiano prende, num ano, seis ou sete vezes o mesmo ladrão, e ele é liberado dois ou três dias depois. Diante da impunidade, se multiplicam os crimes.
Nas relações do futebol sul-americano, e muito particularmente entre os argentinos, não existe punição à desordem. Se a Conmebol punisse o River, excluindo o clube por dois anos da Libertadores e da Sul-Americana, garanto que eles cuidariam muito mais do ambiente dos jogos.
Se seu treinador fez uma baderna aqui na Arena e levou apenas quatro jogos de punição, indica que tudo pode. Trago este histórico com minha participação profissional para que as pessoas entendam que os argentinos precisam de severas punições para ser enquadrados. O Grêmio foi campeão da Libertadores em Medellín, em 1995, e não aconteceu nada para ninguém.
Documento
O que foi assinado em Assunção, no Paraguai, entre os quatro finalistas da Libertadores deste ano, numa tentativa da entidade de ter uma final limpa e reta, não se confirma com clubes argentinos.
O River ganhou a classificação na Arena com muita polêmica de arbitragem e prejuízos notáveis do Grêmio e ninguém apanhou. O treinador Gallardo fez horrores no estádio do Grêmio e não foi agredido.
Imagine o leitor se dirigentes do Grêmio fizessem lá tudo o que foi feito aqui. A impunidade da Conmebol em relação aos argentinos leva, necessariamente, a badernas como essas. Seus estádios estão caindo aos pedaços, a convivência entre torcedores é uma guerra explícita e nada acontece.