Sobre o rapaz assassinado a facadas na Orla do Guaíba, há duas semanas, tenho aqui uma convicção: um crime assim jamais poderia ter ocorrido ali.
Alguém dirá que jamais poderia ocorrer em lugar algum, o que é verdade, mas infelizmente homicídios acontecem em uma metrópole. A questão é que, em alguns locais específicos de qualquer metrópole, esse tipo de violência é inaceitável – são pontos estratégicos que precisam, sim, ser sempre uma prioridade para as forças de segurança. E a Orla é um desses pontos. Por quê?
Bem, o leitor deve lembrar de como era Porto Alegre em 2016. A capital gaúcha figurava entre as 50 cidades mais violentas do mundo: a taxa de homicídios, segundo a Secretaria da Segurança Pública, chegou a 53,5 a cada 100 mil habitantes – o dobro do registrado no Rio, por exemplo. Para se ter uma ideia, uma "epidemia de homicídios", segundo a ONU, é quando ocorrem mais de 10 a cada 100 mil habitantes. Sair na rua era um desespero.
Quando os índices já despencavam – hoje são menos de 20 a cada 100 mil –, a nova Orla foi inaugurada. Era junho de 2018, e o porto-alegrense sentia-se convidado, estimulado, encorajado a ir para a rua outra vez. Ele foi. E a Orla, um sucesso desde o primeiro dia, virou símbolo dessa nova relação com o espaço público.
O consultor em segurança pública Alberto Kopittke, do Instituto Cidade Segura, costuma dizer que esses símbolos cumprem um papel fundamental nas metrópoles que reduziram seus índices de violência: são espaços que mantêm no imaginário popular a percepção de que algo mudou, de que o horror passou. Ou seja, a chamada "sensação de segurança" depende muito deles.
Quando esses símbolos desmoronam, ou quando começam a sofrer um desgaste frequente – pelo menos outras duas pessoas já haviam sido assassinadas na Orla antes da morte do dia 16 –, a tendência é a população recuar. Ir embora, desocupar o local. E, quando perdemos a referência de lugar seguro, tudo começa a parecer inseguro.
Não custa lembrar: a Brigada Militar e a Guarda Municipal têm feito um bom trabalho de policiamento na Orla. Mas as forças de segurança, em um esforço integrado de inteligência, terão de desvendar por que o nosso maior símbolo de vida ao ar livre, até agora, não se livrou da selvageria.