Depois da triste coluna desta terça-feira (23), em que um médico da UPA Moacyr Scliar, na zona norte de Porto Alegre, revelou que os pacientes mais jovens, com maior chance de sobrevida, vêm sendo priorizados nas transferências para UTIs, leitores indignados se manifestaram.
Alguns disseram que são os idosos, justamente por correrem mais risco de morrer, que deveriam ser atendidos primeiro. Outros argumentaram que as aglomerações foram promovidas pelos jovens, e agora eles serão premiados mesmo após desrespeitar o distanciamento social. Não é bem assim.
Concordemos ou não, há um certo consenso na comunidade médica internacional em torno desses critérios – que, é bom frisar, jamais poderiam ser aplicados em condições normais; eles norteiam apenas momentos de crise. Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Eduardo Trindade, o objetivo é salvar o maior número possível de vidas.
– E, para isso acontecer, quando os recursos disponíveis são muito menores do que a demanda, a prioridade é tentar salvar quem tem mais chance de se salvar – afirma Trindade.
Em junho do ano passado, antevendo a possibilidade de um colapso no sistema de saúde, o Cremers publicou uma resolução detalhando essas diretrizes. Em resumo, quanto mais comorbidades o paciente tiver – desde hipertensão até câncer, passando por doenças cardíacas e diabetes –, maior será a espera pela UTI. Outro critério é o estado clínico da pessoa: se a morte é iminente, ela vai mais para o fim da fila.
Mas e a idade? O texto do Cremers ressalta que o Conselho Federal de Medicina (CFM) repudia qualquer tipo de discriminação na seleção de pacientes. Mas o mesmo CFM também defende priorizar quem tiver mais chance de recuperação. Baseada nisso, a resolução do Cremers alega o seguinte: "Todas as séries de pacientes publicadas até o momento identificam a faixa etária como um preditor fidedigno de maior mortalidade. Na verdade, 3/4 das mortes ocorrerão em pacientes acima de 70-75 anos".
É uma experiência terrível que nenhum profissional de saúde vivenciou no último século.
FABIANO NAGEL
Médico intensivista
Ou seja, os mais velhos, de fato, têm desvantagem na busca por leito. A juíza Ana Carolina Morozowski, da 3ª Vara Federal de Curitiba, especializada em saúde, lembra que Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá estabeleceram protocolos semelhantes.
– Não chegam a ser uma novidade essas diretrizes. Elas existem há muito tempo, inclusive no Brasil, mas não com esse grau de especificações que se fez necessário agora. Em países com catástrofes naturais, por exemplo, quando é impossível atender todos os atingidos ao mesmo tempo, os critérios de prioridade sempre foram bem claros – afirma a magistrada.
O problema é que, em Porto Alegre, havia 86 pacientes aguardando leitos de UTI nesta quarta-feira (24) à tarde. Conforme o chefe da Unidade de Gestão de Paciente Crítico do Hospital de Clínicas, o intensivista Fabiano Nagel, a situação é tão caótica que dificulta até a aplicação do protocolo.
– São dezenas de pacientes com o mesmo quadro clínico, muitos jovens e sem comorbidades, então fica complicado fazer qualquer diferenciação. É uma experiência terrível que nenhum profissional de saúde vivenciou no último século – constata ele.