A demanda de pacientes com covid-19 por uma vaga em unidades de terapia intensiva (UTIs) já superava, na noite desta quarta-feira (24), em 34,7% o teto de leitos projetado para atender os pacientes com coronavírus em Porto Alegre.
Ainda no começo da pandemia, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) elaborou um plano de contingência em que estipulou como parâmetro de esgotamento do sistema a destinação de 383 vagas para dar conta exclusivamente da covid-19.
Às 15h desta quarta, as hospitalizações em UTI em razão da doença chegavam a 398 pessoas. Esse número subiu para 400 às 22h, somando 17 pacientes acima do teto. Somados às 116 pessoas com suspeita ou confirmação de coronavírus e que esperam por uma vaga, o excesso de demanda atinge 133 doentes, ou 34,72% além do patamar de esgotamento.
Entre o universo de pacientes que ainda não haviam conseguido um leito de alta complexidade, estão pessoas em emergências hospitalares (67 às 22h desta quarta) e que aguardam transferências em unidades de pronto-atendimento. Conforme a SMS, esse cenário é altamente dinâmico. Pela manhã, por exemplo, já haviam sido liberadas 20 transferências de pessoas acamadas nas UPAs para hospitais, mas 22 seguiam represadas no começo da tarde.
Ainda assim, em um cálculo hipotético, seria necessário abrir mais 86 vagas para zerar instantaneamente a fila por atendimento de doentes graves na Capital. A prefeitura anunciou, na terça (23), a requisição de mais 15 leitos de UTI no Hospital Beneficência Portuguesa para atender casos de covid pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a solicitação de novas ampliações em outros estabelecimentos, como Clínicas e Conceição.
O problema é que, com o agravamento da pandemia, a exigência de aumento do sistema se torna maior a cada dia — por vezes, a cada hora. E, mesmo que exista espaço físico e equipamentos disponíveis, vai ficando cada vez mais complicado encontrar profissionais especializados, insumos e equipamentos para manter toda a cadeia de atendimento funcionando.
— Com uma alta aceleração na transmissão do vírus, a capacidade instalada jamais vai conseguir dar conta. Quando a pandemia fica descontrolada, se o fluxo de pacientes não trancar no leito, tranca na falta de pessoal, na Emergência ou na ambulância. Sempre vai ter algum gargalo — afirma o epidemiologista e ex-secretário adjunto de Saúde de Porto Alegre Natan Katz.
Por meio da assessoria de comunicação, a SMS informou que não trabalha mais com um parâmetro de limite de atendimento ou com uma meta de leitos a serem oferecidos em razão da dificuldade de prever os rumos da pandemia. A estratégia é monitorar a média diária de hospitalizações e calcular a necessidade de ampliações ao longo do tempo.
Situação atual corresponde a “quarto estágio” da pandemia
O plano de contingência original para enfrentar a covid-19, elaborado ainda durante a gestão do prefeito Nelson Marchezan, em 2020, estipulava como meta garantir pelo menos 360 leitos para pessoas com coronavírus em Porto Alegre.
Essa conta, com base na dura experiência recém-experimentada naquele momento por países europeus, como a Itália, se sustentava em uma estimativa de que seriam necessários aproximadamente 2,4 leitos por grupo de 10 mil habitantes.
Esse número estava dentro de uma projeção que trabalhava com três cenários. Em uma situação ainda mais confortável, até 174 vagas em UTIs seriam ocupadas por doentes com coronavírus. A partir de 255, haveria impacto negativo no funcionamento dos hospitais, que teriam de se readequar. A partir de 383, haveria grande comprometimento da rede de saúde no município — o que já é observado com o represamento de pacientes em UPAs e emergências.
Chegou a ser projetado um “quarto estágio” da pandemia, mas esse cenário encontrou resistência por parte de dirigentes hospitalares estupefatos diante da possibilidade de um impacto ainda mais avassalador sobre a rede municipal.
— Chegamos a projetar um quarto cenário, em que poderíamos chegar a cerca de 500 pacientes em UTIs (com covid-19). Mas os diretores dos hospitais alegaram que essa quarta fase não seria aceitável por falta de condições adequadas de atendimento — revela Katz.
Nesta semana, apesar de apelos de epidemiologistas e infectologistas para que a circulação do vírus fosse combatida e medidas preventivas fossem adotadas, a Capital ingressou na temida quarta etapa da luta contra a pandemia.