Depois do texto que escrevi sobre o fim das garagens obrigatórias, uma reação comum entre leitores foi:
– Vai encher de carro estacionado na rua!
Em primeiro lugar, não custa lembrar: o decreto assinado pelo prefeito Marchezan na semana passada determina que os novos prédios – sejam residenciais ou comerciais – não precisam ter vagas de estacionamento. Agora, claro, se o empreendedor entender que, para aquele perfil de público, as garagens são importantes, elas poderão ser construídas sem problemas.
Um shopping, por exemplo, ou um edifício residencial com grandes apartamentos (ideais para famílias inteiras), é evidente que terão garagem. Mas um jovem solteiro agora poderá, sim, comprar uma quitinete em um prédio sem vaga para carro. Por que isso representaria mais automóveis estacionados na rua?
Pelo contrário: segundo o urbanista Anthony Ling, a obrigatoriedade de garagens funcionava, na prática, como estímulo para os moradores comprarem carros. Afinal, as pessoas já estavam investindo no carro – mais precisamente no espaço para guardá-lo – no momento em que adquiriam o imóvel.
Já quem compra um apartamento sem garagem, ao que tudo indica, está disposto a abdicar do automóvel. Mas digamos que não seja o caso: digamos que a pessoa tenha um carro e que, agora, ao morar em um prédio sem garagem, decida estacionar o veículo na rua.
Bem, neste caso, eis a única ponderação possível: era só o que faltava! Não faz o menor sentido esse delírio de que o poder público – e todos os contribuintes da cidade, por consequência – tem a obrigação de resolver uma dificuldade que o próprio cidadão criou para ele mesmo. Ora, se a pessoa compra uma geladeira e não tem onde guardá-la, o problema é dela. Por que com os automóveis deveria ser diferente?
Peñalosa costuma dizer que, se um ônibus leva 45 pessoas enquanto um carro leva só uma, o primeiro merece ocupar 45 vezes mais espaço.
Quem quiser tê-los, que compre um imóvel com garagem ou encare o preço de um estacionamento privado. Em Bogotá, na Colômbia, após restringir drasticamente as vagas para estacionar na rua, o prefeito Enrique Peñalosa transformou a cidade em modelo internacional de mobilidade – ele conseguiu aumentar em 40% a fluidez do trânsito sem gastar um centavo em obras de duplicação. O dinheiro, portanto, pôde ser investido em um transporte público que atendesse a todos com eficiência e conforto.
Aqui, por enquanto, Marchezan dá início a uma política acertada. Não é mais razoável exigir que um empreendimento preveja espaço para carros. E a implantação de 22 novos quilômetros de faixas exclusivas para ônibus se mostra imprescindível – Peñalosa costuma dizer que, se um ônibus leva 45 pessoas enquanto um carro leva só uma, o primeiro mereceria ocupar 45 vezes mais espaço na via pública.
Não adianta: aos poucos, o automóvel vai perder espaço. Quando o cigarro, por exemplo, foi vetado em aviões e restaurantes, o impacto também foi traumático – e hoje nem os fumantes enxergam as restrições como um equívoco. Também houve imensa resistência com a obrigatoriedade do cinto de segurança ou com a tolerância zero para quem bebe e dirige.
São casos em que a mudança de cultura civilizou a sociedade. Agora, o carro é o novo cigarro.