Meu amigo David Coimbra está errado. Isso na minha opinião, claro — talvez na sua ele esteja certo, e aí, para mim, você também estará errado. E tudo bem, é assim que se debate!
Que coisa séria, essa mania de ficar magoado com qualquer discordiazinha. O David, pelo que conheço, ao saber deste meu texto — que é uma resposta à coluna dele de terça (22) —, vai escrever uma tréplica nessa linha, amargurada e ressentida, chamando-me de coisas como biltre, sacripanta, bandalho ou beleguim. Quando se magoa, ele usa palavras muito duras. Mas eu relevo, sei que é passageiro.
Falando em passageiro, o David não gostou das novas faixas exclusivas para ônibus. Diz que Porto Alegre é muito insegura e que, sendo insegura, de nada adiantará a prefeitura facilitar a circulação dos ônibus e apertar o espaço dos carros. Porque as pessoas, assustadas com a violência, não vão trocar os carros pelos ônibus — afinal, os ônibus, segundo o David, são assaltados o tempo inteiro.
Bem, esse é o ponto de vista de quem tem escolha. É o ponto de vista de quem poderia, de fato, optar se anda de carro ou de ônibus. Em geral, são pessoas como eu, que moram em regiões mais centrais da cidade: da minha casa até o trabalho, gasto R$ 6 de Uber, mas, se eu vivesse na Restinga ou no Rubem Berta, gastaria R$ 40. Talvez, com algum esforço, eu até conseguisse parcelar um carrinho, só que o gasto com gasolina seria tanto (quanto mais longe a minha casa, maior é o gasto) que, no fim das contas, a única opção seria mesmo o ônibus.
Quer dizer: para o morador da periferia — e a maioria dos trabalhadores do Centro vive nas periferias —, não faz sentido esta frase do meu amigo David: "Primeiro resolvam o problema dos ônibus e dos lotações; depois mandem as pessoas andar neles". Essas pessoas andam neles porque precisam andar neles e ponto. Fim. Acabou. Mas alguém dirá (espero que não seja o David) que estou me lixando para a classe média ou, pior, que esta é uma visão "de esquerda". Bobagem!
Se nada for feito para frear essa evasão em massa, se os aplicativos seguirem tirando passageiros dos ônibus, se continuarmos assistindo ao velório calados, podem escrever: o sistema de transporte público da Capital vai acabar. Todos os estudos mostram isso. E aí, bem, o trânsito de Porto Alegre será mil vezes pior do que esse tão reprovado pelo David, com 39 quilometrinhos de faixas de ônibus.
Alguém dirá que estou me lixando para a classe média ou, pior, que esta é uma visão "de esquerda". Bobagem!
Será, aí sim, um caos absoluto, porque entrará em colapso: nenhuma metrópole do mundo suportaria um trânsito só com automóveis. E a classe média, além de enfrentar engarrafamentos invencíveis, terá de pensar em como pagar o deslocamento de seus empregados. Oitenta reais, para ida e volta até a Restinga, talvez seja meio caro.
É verdade que o transporte coletivo daqui é muito ruim. Mas, voltando à segurança pública, uma força-tarefa da Polícia Civil fez o número de assaltos recuar 81% nos ônibus entre 2016 e 2019. E não dá para negar que a violência está por tudo: furtos e roubos de veículos, assaltos a carros entrando em casa, ataques a motoristas de aplicativos, agressões a taxistas, tudo isso ocorre com triste frequência.
Perdão por magoá-lo, David, mas serei paciente. Sei que um dia, daqui a alguns anos, ao se reaproximar de mim arrependido, me dirá baixinho em meio a um apertado abraço:
— Você estava certo, seu beleguim!