O homem mais sábio de Atenas, quiçá do mundo, era um mendigo. E dormia num barril. Pelo menos era o que todos comentavam e, quando o rei Alexandre, o Grande, soube da história, quis conhecer o pensador maltrapilho.
Alexandre gostava dos sábios, julgava importante tê-los por perto – não à toa, Aristóteles era seu principal conselheiro. Se o tal mendigo fosse assim tão sabido, talvez pudesse trabalhar para a coroa.
Diógenes era o nome dele.
Sua filosofia pregava que tudo o que é natural não pode estar errado. Ele usava essa premissa para peidar, urinar e se masturbar em público, mas isso nunca impediu a população de admirá-lo. Os atenienses respeitavam sua postura contestadora, sempre denunciando as convenções sociais e a forma como o homem complicava "os mais simples presentes dos deuses". O casamento, dizia Diógenes, era uma forma de complicar o presente natural do sexo.
Ideias meio doidas para a Grécia da época – talvez até mais doidas para o mundo moralista de hoje –, mas carregadas de boas intenções: o velho insistia que, para alcançar a felicidade, ninguém precisaria depender de qualquer coisa externa à própria existência. Bastaria usufruir dos "presentes naturais" e libertar-se das imposições de uma sociedade que mais reprime do que acolhe. Praticamente um hippie, só que 24 séculos antes dos hippies.
Já vou falar de seu encontro com Alexandre, o Grande, até porque estou há cinco parágrafos divulgando uma filosofia da qual discordo de cabo a rabo. Diógenes era um ingênuo, um utopista. E é evidente que grande parte dos atenienses também discordava dele. A questão é que ninguém se recusava a escutá-lo, pelo contrário: todos queriam saber o que Diógenes tinha a dizer simplesmente porque ele tinha, de fato, algo a dizer.
Ainda que fosse um mendigo peidorreiro.
Eu, por exemplo, nem sempre tenho algo a dizer, mas, na semana passada, acho até que tinha. Expus minha interpretação sobre como Jesus veria os homossexuais hoje em dia – tudo com base em trechos da Bíblia e em algumas leituras sobre hermenêutica. Mas, bastava as pessoas lerem o título – e muitas só liam o título –, para escreverem comentários e e-mails sugerindo coisas como me pendurar de ponta-cabeça e arrancar meus olhos com pinça, o que Jesus provavelmente acharia ruim.
As pessoas se enfurecem, espumam de ódio quando esbarram com um ponto de vista diferente. Por que concordar virou tão necessário? Não há nada mais monótono, cômodo e inútil do que concordar em qualquer debate. Aliás, só a divergência pode produzir um debate, só ela tira da inércia, só ela expõe outro ângulo, só ela provoca e nos faz crescer. Como Diógenes provocava.
Então o rei Alexandre, o Grande, chegou a Atenas sobre um cavalo negro. Alguém apontou-lhe a lateral de uma escadaria, e lá estava um barril deitado, com o velho molambo escorado à frente, tomando sol depois do almoço.
– Que queres que faça por ti? – perguntou Alexandre, em pé, mirando o homem no chão.
O problema é que o rei se metera bem na frente do sol. Diógenes ficou brabo com aquela sombra; cara chato, esse rei.
– Não quero nada. Só não me tires o que não podes dar! – e fez sinal para Alexandre cair fora.
O povo gritou "oh!", e um general sacou a espada berrando "como ousas, mendigo insolente?". Diógenes mal ergueu a sobrancelha, só faltou bocejar. E Alexandre, com um gesto de mão, mandou o oficial recuar, despediu-se em voz baixa e foi embora calado, pensando no que ouvira.
– Só não me tires o que não podes dar... – repetia o rei, já retornando.
Diógenes se referia à luz do sol? Ou à sua própria forma de enxergar o mundo? Porque Alexandre, se obrigasse Diógenes a trabalhar para a coroa, mudaria a forma como o velho se relacionava com o mundo. O rei refletiu, então, sobre o que aquele homem pensava do mundo e, bem, talvez nem tenha concordado. E daí? Que diferença faria?