Cortei o cabelo quando estava em Porto Alegre, em julho. Em agosto, fui para a Olimpíada do Rio. Em setembro, voltei para os Estados Unidos. Novembro já passou da meia-idade, dezembro vem aí, com o bimbalhar dos sinos, e nada de eu ir cortar o cabelo de novo.
Sabe por quê?
Já conto.
Antes, tenho de dizer que não lembro da última vez em que entrei em uma loja para comprar roupa. Simplesmente não compro roupa. Minha mulher ou minha mãe compram para mim.
Sabe por quê?
Pelo mesmo motivo por que não corto o cabelo.
Outra: não tenho carro. Nem relógio.
Antes que você chegue a alguma conclusão deletéria a meu respeito, chamando-me, talvez, de relaxado, vou me defender com o exemplo sempre nobre dos filósofos. Um deles, Diógenes, que vivia dentro de um tonel de barro. Chamavam-no de "O Cínico".
"Cínicos" eram filósofos naturalistas, os pais de todos os hippies e bichos-grilos. Ganharam essa denominação não porque fossem debochados. Cínico vem de "cão". Há várias explicações sobre o motivo de os gregos chamarem esses filósofos de cães, mas a que mais se aproxima da verdade é que eles viviam nas ruas e se alimentavam de qualquer coisa, como os vira-latas.
Diógenes dizia que o homem devia viver apenas com o que proporciona a natureza e que tudo que é natural tem de ser feito com, bem, naturalidade. Assim, ele satisfazia suas necessidades fisiológicas na rua, para escândalo dos gregos. Mais escandalizados ainda eles ficavam quando Diógenes se masturbava em público. Ele rebatia:
– O que é que tem? Já pensou como seria bom se pudéssemos matar a fome alisando a barriga?
Uma vez, Platão viu Diógenes lavando um pé de alface. Por essa época, Platão era o queridinho de Dionísio, rei de Siracusa, na atual Sicília. Platão gracejou:
– Se tu tivesses cortejado Dionísio, não estarias aqui lavando alfaces.
Diógenes retrucou:
– Se tu estivesses lavando alfaces, não terias cortejado Dionísio.
Grande Diógenes.
Platão acabou se desiludindo com esse Dionísio, como sói acontecer com filósofos e jornalistas que se deixam seduzir por políticos. No fim da vida, também se tornou um desapegado. Dizem até que em excesso – Platão descuidou da higiene e morreu devido às doenças causadas por uma infestação de piolhos.
Mas se filósofos velhos de 24 séculos não são eloquentes o suficiente para comover você, vou atacar de Mujica. Todos querem ser Mujica, assegura o livro lançado há pouco pelo meu amigo Moisés Mendes. Isso porque Mujica também é meio naturalista. Vive com pouco, lá no Uruguai. Anda de Fusca. Sua casinha não chega a ser um tonel de barro, mas ainda é uma casinha. Contei para duas conhecidas turcas que Mujica tem um cachorro com três pernas e elas suspiraram:
– Oh, ele tem um cachorro com três pernas... Era disso que a Turquia precisava!
Fiquei encantado com a singeleza das necessidades da Turquia. O Brasil precisa de muito mais do que um presidente que tenha um cachorro com três pernas.
Aliás, minha mãe tem um gato com três pernas. Pode ser um ponto a meu favor? Certamente que não para os brasileiros. Preciso contar isso para as turcas. Confesso, inclusive, amigo Moisés, que eu não queria ser Mujica. Nem Diógenes. Nem Platão. Mas queria ter as razões deles para negligenciar o que negligencio. Porque o faço por um motivo muito mais prosaico.
Por preguiça.
Por isso não corto o cabelo, não entro em loja para comprar roupa, não tenho carro nem relógio. Por isso me canso quando o debate político vira malvados versus bonzinhos, ricos versus pobres, elite versus explorados. Por preguiça. Preguiça vulgar, rasteira, desprovida de graça, brilho e filosofia. Desculpe a falta de nobreza, decepcionado leitor.