Tenho horror a doutrinação, proselitismo, lavagem cerebral e todo tipo de dogma. Justamente por isso, me agrada que os professores ofereçam conteúdos diferentes dos que os pais já transmitem – e tentam impor – às crianças.
Senão, para que serve a escola?
O aluno ideal, como já escreveu Contardo Calligaris, é o que contesta os pais com o que aprendeu no colégio e contesta o colégio com o que aprendeu com os pais. Se a escola e a família são os grandes instrumentos de formação – e deformação – dos jovens, não pode ser saudável que ambas "concordem" o tempo todo. Pelo contrário: é a divergência entre elas que cria o espaço de conflito necessário para o aluno encontrar sua própria autonomia.
Sempre foi assim. Mas, de uns anos para cá, um narcisismo crescente levou pais a exigirem da escola a reprodução da cartilha da família. Conheço uma moça ateia, por exemplo, que tem um filhinho de cinco anos. Dias atrás, ela disse que quando o menino entrar no Ensino Fundamental – em uma tradicional escola particular de Porto Alegre – ele não vai frequentar as aulas de religião. A intenção, claro, é que o garoto "não seja doutrinado".
Para mim, a doutrinação aqui é da mãe.
Eu detestaria que meus filhos fossem doutrinados com base na Bíblia, mas me pareceria igualmente grave vê-los crescer sem conhecerem o livro de maior referência para a formação da cultura ocidental. Também acharia péssimo vê-los doutrinados no marxismo, mas o mesmo absurdo seria eles não lerem nada sobre o pensamento que foi a grande sensação intelectual dos últimos dois séculos.
Até porque, no fim das contas, como eles poderão discordar de algo se mal sabem do que se trata?
Impedir alguém de entrar em contato com tudo o que me desagrada, como se fosse eu o padroeiro da verdade, o guardião da certeza ou o mensageiro da luz, não é só uma pretensão megalômana: é defender a mediocridade bebendo na inspiração fascista. Sei que agora é moda falar em fascismo – usa-se "fascista" para atacar qualquer adversário político, mas o fascismo é, no fundo, uma filosofia civil, e não um tipo específico de regime ou governo.
Não surpreende que essa ofensiva contra a liberdade dos filhos tenha crescido com a marcha de insanidade que atropelou o debate político
O fascismo se manifesta como um agente moral, obstinado em gerar cidadãos melhores por meio do quê? Da repressão. E o fascista não se considera autoritário, ele se considera um redentor da espécie humana. Ele sempre quer o bem de todos, inclusive o bem de quem ele persegue.
Não surpreende que essa ofensiva contra a liberdade dos filhos – impedidos até de formar juízo crítico sobre o que os pais odeiam – tenha crescido com a marcha de insanidade que atropelou o debate político nos últimos anos. Claro: se toda pessoa que discorda de mim é desonesta ou débil mental, Deus me livre meu filhinho chegar perto de qualquer coisa que me lembre o inimigo.
A saída é eu aqui, como bom pai que sou, doutriná-lo como acho melhor. E votar neste domingo em quem promete exterminar a doutrinação que reprovo. Porque, no fundo, no fundo, o que eu quero mesmo é todo mundo pensando igualzinho. Igualzinho a mim, obviamente.