Um grupo de brasileiros enfurecidos, no início da semana, decidiu dar aula aos alemães sobre o que foi o nazismo. Cristo, que vergonha.
O papelão começou quando a embaixada da Alemanha em Brasília publicou um vídeo no Facebook: a ideia era mostrar como o país enxerga hoje os horrores do Holocausto. Lá pelas tantas, o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, lembrou que o nazismo era uma ideologia de extrema direita.
Foi um fuzuê.
Esse pessoal que acha que todos os problemas da história da humanidade devem ser colocados na conta da esquerda teve um ataque histérico. Porque, segundo eles – que disseminam essa teoria faz tempo nas redes sociais –, o nazismo era de esquerda por três motivos:
1) Havia "socialista" no nome do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista.
2) Havia "trabalhadores" no nome desse mesmo partido.
3) A economia do Terceiro Reich era estatista e antiliberal – exatamente como prega o comunismo –, enquanto a direita defende o mercado livre e um Estado menor.
Em primeiro lugar, é bom lembrar que essa discussão nem sequer existe na Alemanha – e talvez não exista em nenhum outro lugar do planeta –, mas, em tempos de fake news, versões deturpadas da História também precisam ser combatidas, sob o risco de se espalharem como verdades. Eu aqui, embora não seja historiador nem especialista no assunto, já li um tantinho sobre isso e posso elencar algumas obviedades.
Sobre o primeiro item, bem, o nacional-socialismo – de onde vem o termo nazismo – não guardava semelhança alguma com o socialismo. Pelo contrário, surgiu como reação a ele. Porque o socialismo era internacionalista, não nacionalista. Quer dizer: para os socialistas, a classe trabalhadora seria uma só no mundo inteiro e, portanto, a revolução proletária deveria se expandir globo afora.
Já os nacionais-socialistas, ou nazistas, consideravam boa parte do mundo uma chinelagem que não servia para nada. Por isso, defendiam a estruturação de um Estado alemão baseado na raça ariana – ou seja, não queriam saber de luta internacional de classes como os comunistas; queriam, sim, uma luta a favor de limites. Limites raciais, étnicos e linguísticos.
Não à toa, Hitler elegeu como maiores inimigos o próprio socialismo e o judaísmo. Porque o socialismo defendia o internacionalismo, e o judaísmo era visto como apátrida – pecado mortal para um nacionalista radical. E aí vem a inclusão da palavra "trabalhadores" no nome do partido. Não tinha nada a ver com a forma como a esquerda se apropriou desse termo em países como o Brasil, onde "trabalhadores" virou sinônimo de proletariado.
Na Alemanha nazista, identificar-se como "trabalhador alemão" era uma forma de se opor aos judeus, injustamente acusados de tirar espaço dos alemães na economia. O discurso antissemita poderia vir de um grande empresário, de um pequeno comerciante ou de um servente de obras:
– Eu sou um trabalhador alemão, sou natural desta terra, não vim para cá tirar dinheiro dos outros como fazem os judeus.
Mas a extrema direita nada tem a ver com a direita – que fez e ainda faz bons governos, inclusive na própria Alemanha, com Angela Merkel.
Quanto ao "proletariado" da esquerda, bem, Hitler fechou sindicatos, acabou com o direito de greve e metralhou as organizações comunistas da Alemanha. Aliás, ao contrário das doutrinas socialistas, o nazismo nunca quis acabar com a propriedade privada nem coletivizar os meios de produção: era um governo cheio de acordos com as grandes empresas e indústrias alemãs.
O fato de ter sido um regime estatista e antiliberal tampouco aproximava o nazismo do socialismo – a ditadura militar brasileira, por exemplo, também mantinha o Estado no controle da economia, mas só um idiota diria que aquilo foi "de esquerda". Porque a centralização estatal, na Alemanha nazista, não tinha qualquer intenção de distribuir riquezas ou promover alguma forma de igualdade. Pelo contrário: a razão de um Estado grande era justamente manter a desigualdade – no caso, racial –, dizimando povos "inferiores" e combatendo as oposições.
Tratava-se, não há dúvida, de um regime de extrema direita. Que não tem nada a ver com a direita – que fez e ainda faz bons governos pelo mundo, inclusive na própria Alemanha, com Angela Merkel. Eu gosto da direita democrática. E gosto da orientação alemã de "conhecer e preservar a História para não repeti-la", como foi anunciado no vídeo da embaixada.
Mas não há nada mais improdutivo do que debater a História em cima de mentiras. E é mentira que o nazismo era de esquerda.