Sherlock Holmes nunca existiu, é uma ficção literária, mas a irmã dele existe e está esperando por você na Netflix, se é que ainda não a encontrou por lá. A moça chama-se Enola Holmes, nome também do filme lançado no mês passado, uma divertida história investigativa, mas também de crítica ao machismo e ao conservadorismo da época em que as mulheres inglesas lutavam para conquistar o direito de votar.
Não vou comentar o filme neste espaço, até mesmo porque o nosso especialista Ticiano Osório já o fez com muito mais propriedade e com a imbatível cumplicidade de suas filhas pequenas, o que já indica a leveza e a graça da aventura protagonizada pela atriz adolescente do seriado Stranger Things. Reafirmo, porém, que a jovem Millie Bobby Brown é cativante, principalmente nos momentos em que para de interpretar, volta-se para a câmera e compartilha suas angústias com os espectadores. Quase respondi a ela do meu sofá.
O que quero abordar neste comentário é a ronha judicial em torno do longa-metragem. Sherlock Holmes não existiu, mas seu criador, Sir Arthur Conan Doyle, não apenas existiu como deixou uma obra valiosa e descendentes que zelam pelos respectivos direitos autorais. E aí entra o detalhe da disputa em torno do filme, que se baseia em outra ficção literária, essa escrita pela norte-americana Nancy Springer, criadora da irmã do detetive.
Ocorre que as histórias de Sherlock Holmes escritas antes da Primeira Guerra Mundial, quando ele era retratado como um detetive frio e calculista, são de domínio público. As outras, publicadas depois da Guerra, mostram um Sherlock mais humano, capaz de sentir e manifestar emoção. E sobre essas os herdeiros ainda mantêm propriedade intelectual.
O Sherlock Holmes do filme começa gelado, mas aos poucos vai revelando um discreto sentimento de simpatia e carinho pela irmã. Foi o que bastou para a família acionar a editora do livro, a escritora e a Netflix. Se o detetive se mantivesse insensível até o the end, provavelmente não haveria litígio. Como sói acontecer, a realidade volta a revelar-se mais fantástica do que a ficção.
Elementar, caro Watson?
Pois até o famoso bordão é polêmico. Segundo li, Holmes nunca disse isso nos quatro romances e 56 contos escritos por Conan Doyle.