Os Papais Noéis da minha infância metiam medo nas crianças. Eram outros tempos, convém explicar, a educação familiar era regida por padrões bem mais rigorosos do que os atuais. E ninguém questionava. O Bom Velhinho, que costumava ser interpretado por algum vizinho meio bebum com barriga e barbas visivelmente postiças, levava um saco nas costas e uma varinha de marmelo nas mãos. E não era incomum que a utilizasse quando algum moleque mais folgado tentasse se aproximar sem permissão.
Papai Noel vai parar na delegacia se levantar o dedo para uma criança
Pais e mães, com as melhores intenções, eram cúmplices daquela "pedagogia do oprimido" que se instalava no Natal. Alguns até aproveitavam para denunciar traquinagens praticadas pelos filhos que, na azáfama do cotidiano, não conseguiam controlar. Não tinha essa de trocar o bico por um pirulito, como fazem nos shoppings. Aliás, não existiam shoppings.
O Papai Noel aparecia nas casas, sentava-se nas proximidades da árvore de Natal. (Todas as casas armavam a sua, com pinheiros naturais recém-cortados que exalavam o perfume inesquecível da saudade). Entregar o bico não era uma opção, era uma imposição.
Depois da distribuição de presentes, o homem de vermelho era levado para alguma sala isolada, onde fazia um copo de cerveja desaparecer sob a barba falsa, antes de se seguir para outras residências. Mesmo quando já chegava cambaleante, jamais esquecia a maldita varinha. Hoje uma situação dessas seria inimaginável. O Natal talvez já não tenha a mesma emoção, mas está mais civilizado. Papai Noel vai parar na delegacia se levantar o dedo para uma criança. Ou se recusar uma selfie com o pet da família.