Talvez eu seja o velhinho de Taubaté reencarnado, mas estou convencido de que a tecnologia nos salvará do fascismo latente que germina à sombra dos governos autoritários de esquerda e de direita em todo o mundo. A imagem do PM distribuindo cacetadas na porta de saída do baile funk, em São Paulo, reforçou a minha convicção. Não é possível que alguém aprove aquele tipo de atitude. Mesmo na cabeça das pessoas mais intolerantes e hostis da sociedade brasileira, aquelas que defendem o extermínio de delinquentes e a criminalização de pretos e pobres, deve ter passado um lampejo de horror e bom senso: e se aquela covardia estivesse sendo praticada contra um amigo, um parente, um filho?
Comportamentos psicopatas como o daquele soldado que se divertia batendo em adolescentes, mulheres e até num deficiente físico são aberrações mesmo em corporações orientadas pelo rigor repressivo. Mas existem. E até pouco tempo atrás passavam despercebidos, pois quase sempre ficavam restritos à palavra dos agredidos contra a versão dos agressores empoderados pela farda e pela proteção corporativa. Agora tem o VAR da violência.
As câmeras estão por toda parte. Equipamentos de vigilância, instalados nas casas, nos estabelecimentos comerciais e nas esquinas, flagram não apenas delitos cometidos por marginais – que é o seu objetivo prioritário – mas também os abusos por parte de más autoridades, maus policiais e até mesmo de maus servidores públicos ou privados. Os celulares tornaram-se instrumento de defesa dos cidadãos, que os têm utilizado para gravar e denunciar as arbitrariedades de que são vítimas. A facilidade de divulgação pelas redes sociais e as repercussões na imprensa acabam dando visibilidade irrefutável aos excessos mesmo quando seus autores tentam apagar as digitais da cena do crime.
Quem diria que a teletela profetizada por Orwell na sua célebre alegoria totalitária teria esse efeito colateral de combater o totalitarismo? O Grande Irmão está de olho em nós, sim, mas também observa aqueles que nos oprimem. E uma imagem – como disse o chinês Confúcio mais de 2 mil anos antes da invenção do celular – vale mais do que mil palavras.