Visitei dia desses o Rincão Gaia, em Pantano Grande, e fiquei impressionado com tudo que vi naquele recanto mágico criado pelo ambientalista José Lutzenberger. A magia, convém esclarecer, chama-se amor à natureza, principal motivação do reconhecido ecologista para transformar uma pedreira desértica num verdadeiro Jardim do Éden – imagem que utilizo para reforçar a ideia de paraíso, mas que ele certamente abominaria por conta de seu confessado ateísmo. Curiosa e paradoxalmente, eu e outros visitantes da mesma excursão levamos um choque de espiritualidade durante nossa peregrinação pelo aprazível local.
Claro que em nosso passeio guiado paramos no canteiro do bosque onde Lutz foi sepultado em perfeita integração com a terra, envolto apenas em um pano de algodão e depositado a cinco palmos da superfície. Lá viceja o pé de umbu plantado exatamente para simbolizar a continuidade da vida por meio da transformação orgânica da matéria. A simplicidade da ideia, observada na prática, provoca silêncio e reflexão. E pensamentos diversos. O meu, confesso, incluiu uma evocação a Mário Quintana:
– Quando eu for, um dia desses, poeira ou folha levada, no vento da madrugada...
Por mais descrente que se seja, morte e renascimento ganham forma visível quando saltam do discurso religioso para o ecológico, pois não há como ignorar a simbiose entre o planeta e os seres vivos que o habitam. Nada se perde, tudo se transforma – já dizia o sábio francês Lavoisier, que acabou guilhotinado num momento de obscurantismo dos seus patrícios. O presidente do tribunal que o condenou recusou o pedido de clemência feito por intelectuais do país, com uma frase que se tornou célebre:
– A França não precisa de cientistas.
Precisava, sim. Todos os países precisam de cientistas e professores que trabalham para levar o conhecimento às pessoas, para decifrar os mistérios do universo, para entender a natureza, para combater o ateísmo ambiental e a ignorância institucionalizada. Se acreditarmos que a Terra é plana e que o Leonardo DiCaprio é o responsável pelas queimadas da Amazônia, acabaremos convencidos de que o óleo das praias nordestinas veio do naufrágio do Titanic. E em breve todos estaremos submetidos à volta da guilhotina juntamente com o excludente de ilicitude.
Mas voltemos ao Lutz, que também iluminou corações e mentes com suas pregações incendiárias na defesa de todas as formas de vida. A espiritualidade do Rincão Gaia não está concentrada apenas no canteiro do umbu que assinala o seu retorno em forma de vegetal. Está na cratera de basalto transformada em piscina de águas límpidas, está nas trilhas e no mato espesso, nas flores e nos cactos, nas árvores e nas pastagens, nos insetos, nos peixes, nas aves e nos animais, na gentileza das pessoas e no clima de paz, no ar puro e no perfume de natureza preservada, cuidada, recuperada e venerada como a deusa grega que inspira e denomina o lugar.