Antes que comecem as tradicionais retrospectivas de dezembro, decidi antecipar meu fato do ano, mais para provocar a reflexão dos leitores do que propriamente por qualquer pretensão à originalidade. Deixo de lado episódios retumbantes como a maré de petróleo das praias nordestinas e o tsunami de lama de Brumadinho para me fixar numa ocorrência menos perceptível e rumorosa, mas que também tem potencial para causar preocupação: a virada demográfica. Pela primeira vez na história da humanidade, o planeta – e o nosso Rio Grande, em especial –passam a ter mais avós do que netos.
A constatação tem a chancela de organismos oficiais de reconhecida credibilidade. Em abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que a população de idosos do mundo já era superior à parcela de crianças pequenas. Em outubro, a consultoria SeniorLab, utilizando dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assegurou que o número de gaúchos com mais de 60 anos superava o contingente de crianças e adolescentes de zero a 14 anos, o que faz do Rio Grande do Sul o primeiro Estado brasileiro a passar por tal transformação. A explicação científica para a guinada demográfica é de uma clareza meridiana (pelo menos para quem acredita que a Terra ainda é redonda e reconhece a existência de paralelos e meridianos): estamos vivendo mais e tendo cada vez menos filhos.
A questão é polêmica, sei disso. Há oito meses, pelas contas da ONU, o mundo tinha 705 milhões de pessoas acima de 65 anos contra 680 milhões entre zero e quatro anos. Quando comentei esses números com um amigo professor que trabalha numa escola da periferia da Capital, onde as famílias numerosas ainda parecem maioria, ele fez uma cara de espanto e brincou:
– Exijo recontagem!
Há também quem se apegue à semântica para questionar a informação oficial, argumentando que avós sem netos não são avós – são apenas idosos. Pode ser, mas o fato é que o inquestionável envelhecimento da população, independentemente dos motivos, aumenta a pressão sobre os sistemas de saúde e previdência, exigindo decisões políticas austeras e nem sempre simpáticas.
Quando ingressei na Universidade na década de 70, lia e ouvia que a grande bomba-relógio a ser desarmada era o crescimento demográfico. Agora já se diz que o imaginário artefato explosivo é representado pelo declínio e pela longevidade das populações, pois com menos pessoas no trabalho e redução da produtividade econômica não haverá como sustentar o crescimento dos países nem a sobrevida cada vez mais longa de seus habitantes de cabelos prateados.
A esperança de solução para o impasse – dizem alguns estudiosos do tema – é a tecnologia. Eis aí um desafio e tanto para os netos que ainda restam (e que paradoxalmente, em muitos casos, acham entediante ensinar seus avós a lidarem com o celular).