Li que a autora da nova novela da Globo, Manuela Dias, é apaixonada por mitologia grega e que a história das três mães que começou a ser contada em horário nobre na última segunda-feira (25) sequer terá um vilão bem identificado, como tem sido praxe nos folhetins televisivos. A ideia é mostrar gente como a gente, tipos humanos que erram e acertam, que podem ser heróis em determinadas situações e patifes em outras. A própria roteirista antecipou em entrevista a um site especializado que um episódio dos primeiros capítulos é inspirado na tragédia do Rei Édipo — emblemática para a psicanálise e para o cotidiano. Comento, portanto, o spoiler autoral antes mesmo de saber se já foi ao ar.
Trata-se de uma briga de trânsito que termina em morte — como também acontece no mito de Édipo. Fugindo da profecia do oráculo, de que assassinaria o próprio pai e casaria com a mãe, o herói trágico viajou para terras distantes e cruzou na estrada com um nobre igualmente arrogante. Como nenhum quis dar passagem ao outro, engalfinharam-se e Édipo matou Laio, que no final descobriria ser o seu genitor.
Édipos e Laio encontram-se diariamente no trânsito brasileiro, claro que sem os laços de sangue da tragédia de Sófocles, mas com o mesmo ânimo competitivo e belicista. No comando de suas máquinas de guerra, equipadas com GPS e com motores equivalentes a milhares de cavalos, disputam espaço e tempo, fazendo do acelerador o gatilho de suas armas letais. Querem arrancar primeiro, querem chegar antes, querem mostrar mais valentia e habilidade do que seus desconhecidos rivais.
O resultado dessa disputa de estupidez pode ser conferido diariamente nos noticiários. A esfinge moderna é uma criatura com cérebro humano (demasiadamente humano, talvez), corpo de metal, parafusos e vidros, e quatro rodas no lugar dos pés — pela manhã, ao meio-dia e ao entardecer.
No final dessa história, infelizmente, algumas mães sempre choram.