Entrei na fila do supermercado atrás de um adolescente. Nem eu nem ele percebemos que era uma caixa preferencial, até mesmo porque a placa indicativa estava semiencoberta. Quando nos aproximamos, a funcionária virou a plaquinha e o garoto percebeu onde estava. Ficou muito constrangido, pediu desculpas à atendente e virou-se para mim como se tivesse cometido uma falta grave. Falei primeiro:
– Não te preocupa, amigão! Também entrei aqui porque não vi que era para idosos.
O menino olhou para a minha barba branca e sorriu amarelo. Não podia saber que era ao mesmo tempo uma autoironia e uma decisão muito pessoal. Evito, mesmo, utilizar certas facilidades asseguradas legalmente a pessoas da minha idade por entender que a legislação existe para beneficiar quem realmente dela necessita. O limite de idade é só um referencial. A vaga no estacionamento perto da entrada, por exemplo, deveria ser utilizada mais por pessoas com dificuldade de locomoção – e menos por atletas sessentões como muitos dos meus companheiros de caminhada matinal.
Como o menino da fila, também me sentia um tanto constrangido em defender essa ideia, pelo temor da má interpretação. Algumas pessoas podem pensar que tento aparentar menos idade, que se trata de hipocrisia ou mesmo que as estou censurando por se beneficiarem da lei. Nada disso. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato – e a consciência. Mas fiquei mais confortável depois de ler uma declaração do doutor Emílio Moriguchi, especialista em longevidade como seu pai Yukio, precursor da matéria no Brasil:
– As pessoas (velhas) estão mais saudáveis e conseguem manter suas habilidades. Temos que criar novos espaços para os idosos. Não lugar para sentar ou vaga em estacionamento, pois o que ajuda na longevidade é trabalhar, sentir-se útil.
Sem generalizar, evidentemente. Pessoas com limitações, independentemente da idade, merecem atenção e cuidados diferenciados. E quem trabalhou a vida inteira deve ter o direito de decidir se prefere prolongar a atividade ou simplesmente descansar. Mas a realidade dos idosos saudáveis e produtivos não pode mais ser ignorada.
A série de reportagens do projeto Ideias para o Futuro 60+, do Grupo RBS, mostra que em breve haverá um contingente maior de brasileiros com mais de 60 anos do que com menos de 15. No Rio Grande do Sul, pelo que se noticia, essa virada demográfica ocorreu no início da semana em curso – o que deixa a gauchada com aquela conhecida e levemente exagerada sensação de, mais uma vez, estar servindo de modelo a toda terra. Estamos? Tenho lá as minhas dúvidas. Mesmo com a desaceleração demográfica, a maior parte da população do Estado – incluídos os idosos – continua carente de qualidade de vida. É inquestionável que estamos vivendo mais, mas ainda falta muito para vivermos melhor essa prorrogação que a ciência, as mudanças de hábitos e o destino nos oferecem.
Os idosos precisam, acima de tudo, da compreensão dos mais jovens e de oportunidades compatíveis com suas potencialidades.