A revista "Quatro cinco um" e todos os envolvidos na produção da sua última capa, incluindo a atriz Fernanda Montenegro, retratada como bruxa prestes a ser queimada numa fogueira de livros, talvez tenham mais motivos para agradecer do que para condenar a manifestação do diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim. Ao utilizar o seu Facebook para ofender a grande dama do teatro brasileiro, chamando-a de "sórdida", o gestor público não apenas comprou briga com a classe artística nacional e com os milhões de fãs da atriz. Conseguiu, também, dar maior visibilidade a uma publicação que, de outra forma, ficaria restrita aos seus leitores habituais. O marketing da estupidez funcionou mais uma vez – como já ocorrera com a História em Quadrinhos censurada na Bienal do Livro do Rio e com a exposição de charges na Câmara Municipal de Porto Alegre.
Mas esse bumerangue irônico do destino acaba sendo um consolo insuficiente quando constatamos que mais e mais pessoas rudes e insensíveis ocupam postos importantes da administração pública, com poder para decidir o que o público deve ou não receber em matéria de arte, diversão e conhecimento. Por enquanto, as instituições democráticas funcionam e resistem. A fogueira de livros ainda é simbólica. Porém, a toda hora aparece um incendiário – e é inquestionável que uma parcela significativa da população aplaude e apoia o autoritarismo, reação compreensível de quem vinha sofrendo com a corrupção, a criminalidade e a degradação moral escancaradas pelas investigações da Operação Lava-Jato.
Só que esse conflito insano está se prolongando demais. Para quem acredita que o melhor remédio para os males da democracia é mais democracia, resta esperar que essa onda revanchista comece logo a arrefecer, a fim de que possamos pensar racionalmente o país – sem bruxarias nem truculências.