Por razões diferentes, Suárez e Valencia podem não estar em campo contra Botafogo e Fluminense, na Arena e no Maracanã. Curiosa coincidência, uma vez que ambos ocupam hoje um papel de protagonismo inédito na dupla Gre-Nal.
Nunca houve uma cena em que dois gringos ocupassem simultaneamente em Grêmio e Inter a função mais decisiva de um time de futebol, a do goleador. O Inter não trouxe o equatoriano como resposta ao uruguaio, contratado de forma espetacular pelo rival no início do ano. De forma sensata, a direção colorada percebeu que o futuro dependia de ter um artilheiro.
A primeira tentativa foi com Luiz Adriano, não é definitivo que tenha sido malsucedida. O centroavante começou a fazer gols, marcou dois no jogo da classificação do Inter na Libertadores e deu assistência para o outro. Não foi suficiente, no entanto, para mudar o Inter de patamar.
Enner Valencia, sim, chegou com a missão de transformar. Desceu do avião titular e não há razão relevante para não começar o jogo do Maracanã contra o Fluminense, a menos que ele próprio dissesse a Mano Menezes que prefere começar sentado no banco.
A possível decisão do treinador colorado de começar com Valencia entre os reservas não lhe tira legitimidade para decidir. É pago para fazê-lo. Mas Valencia não é jogador de entrar durante partidas. Se sua condição física não é ideal, ele tem tamanho para começar jogando e sair quando cansar. Não é jogador de só virar titular se Luiz Adriano não curar uma gripe. De esperar no banco como forma de melhorar sua adaptação ao novo clube. O esforço que a direção fez para trazer alguém tão diferente dá o tom da sua dimensão.
No Grêmio, a cena é inversa. Luís Suárez quis jogar o primeiro dos confrontos com o Bahia, Renato Portaluppi aquiesceu. O gringo não conseguiu atuar na segunda três dias depois, o joelho não deixou. Agora, o contexto se repete. Há um jogo grande neste domingo (9) contra o líder, vitória encurta a distância do gaúcho para o carioca de sete para quatro pontos.
O Botafogo ainda não estreará o técnico definitivo, joga contando com o efeito positivo recente do encaixe com Luís Castro. O técnico gremista disse com todas as letras que ia querer priorizar o Brasileirão neste ano. Porém, uma vitória sobre o Bahia quarta-feira que vem (12) põe o Grêmio nas semifinais da Copa do Brasil e enche os cofres do clube de dinheiro.
Tanta é a tradição gremista neste torneio que sua candidatura terá o mesmo peso que a de Flamengo ou Athletico PR de um lado e São Paulo e Palmeiras do outro lado do chaveamento. Contra o Botafogo, a partida mais difícil. Contra o Bahia. a mais importante. Num cenário em que o joelho direito do atacante uruguaio é que determina se ele joga ou não, é improvável contar com o protagonista nos dois jogos.
Fosse eu dirigente, Suárez seria guardado para quarta-feira. O Grêmio ficou sem ataque, literalmente, ao não ter Suárez terça-feira passada (4). Correr o risco de não tê-lo no jogo da volta é rifar a decisão da vaga. O Bahia é claramente inferior ao Grêmio, mas futebol é aquele esporte em que o pior ganha do melhor com incrível frequência. No caso, nem ganhar precisa. Bastar levar a pênalti para transformar a disputa da vaga em algo imponderável.
O que se vê no Beira-Rio e na Arena, escrevi lá no início, é inédito. Nossos gigantes foram buscar artilheiros fora do país. Os daqui são inviáveis no quesito financeiro ou insuficientes no quesito técnico. Não dava para tirar Cano do Fluminense, Gabigol ou Pedro do Flamengo, Marcos Leonardo do Santos. Então, os dirigentes gaúchos foram buscar soluções onde havia. No caso de Suárez, no início da temporada, um golaço de criatividade do presidente recém eleito Alberto Guerra.
Mesmo que seja operado e o contrato, rescindido, Suárez já se pagou e cumpriu o papel de resgatar na torcida gremista a consciência da grandeza do clube. A Série B de 2022 está longe, ficou para trás. Entretanto, basta ter memória para se arrepiar com a perspectiva para este ano se não tivessem vindo 11 reforços, Suárez sendo o maior de todos. Depois que ele estiver em Barcelona para consultar o médico de sua confiança, o Grêmio perde grande parte do poder que tem hoje sobre o tratamento dispensado a seu astro.
Se um dos melhores médicos de joelho do mundo disser a seu paciente que a cirurgia é o melhor a fazer, quem poderá tirar de Suárez o direito de escolher este caminho com todas as consequências que podem vir desta escolha? O joelho é dele, a dor é dele. Caso seja possível negociar prazos e aproveitamento, melhor. Se for preciso abrir mão do restante do contrato para não ter que pagar quase R$ 2 milhões por mês ao jogador, que seja. Esta possibilidade estaria vinculada diretamente à realização da cirurgia.
Se Suárez não topasse abrir mão do contrato numa recuperação longa, vale o que está na lei. O jogador não machucou o joelho trocando uma lâmpada em casa. A solução é melindrosa e só depois da ida do uruguaio à Espanha é que se terá um cenário mais claro para o futuro de curto e médio prazo desta relação clube/jogador.
Enner Valencia é o grande trunfo do Inter para os confrontos com o River Plate, pela Libertadores. Sua chegada aumentou o quadro de sócios, remobilizou o ânimo da torcida, já cumpre fora de campo parte do papel a ele destinado. Daqui em diante, o ajuste fino depende diretamente da sensibilidade de Mano Menezes no aproveitamento do seu protagonista.
O passivo do Inter é tamanho que não há mais margem para erro. Seja do treinador ou dos dirigentes, só cabe o acerto para que o 2023 de eleição no fim do ano tenha um rumo diferente de tudo que o time viveu de janeiro a junho. Julho abre o segundo semestre. Serão seis meses no fio da navalha. Errar é humano, eu sei. No caso do Inter, porém, com tudo o que está devendo à sua torcida, é proibido.