Partindo do princípio de que, ao contrário do que registram os microfones, a direção não quer Renato e Renato não pretende ficar, o trabalho que espera Alberto Guerra e seu novo escolhido para vice de futebol será aos moldes da construção das pirâmides do Egito ou da Muralha da China. Não se tratará só de escolher um novo técnico que não sinta o peso e a sombra da eterna estátua do maior ídolo da história do clube. Fosse tão simples e seria só questão de acertar uma escolha pontual, o que também não seria fácil.
O que precisa acontecer no Grêmio, que vai escapar do rebaixamento e talvez tenha até uma competição continental por disputar, é um zerar absoluto, um deletar tudo o que vigora até dezembro deste ano. Só assim haverá jeito de se construir na Arena uma independência plena do que foi realizado até aqui sob a batuta de Renato Portaluppi. E para que não se cometa injustiça, já funcionou bastante neste molde.
Aos tempos em que Romildo Bolzan Júnior e Renato trocavam beijos na testa, a cena marcava conquistas reiteradas de um time que jogava bonito, competia e vencia. De 2016 para cá, Renato conduziu o Grêmio a um título de Copa do Brasil, um de Libertadores, duas semifinais de Libertadores e seis estaduais. Na temporada passada, um vice-campeonato brasileiro sustentado pelo talento diferenciado de Suárez, sim, mas também por soluções táticas que o treinador foi encontrando no transcorrer da competição.
O ano fora da curva é 2024 pós-Gauchão. A enchente está presente com força no ânimo de Renato e fez especial efeito depois que passou. O vitorioso profissional parou de gostar de estar onde estava e fazer o que fazia. Ficou irascível. Inconstante. Desconcentrado. Errático. Desaforado. E a hipertrofia do poder dado a ele virou o fio ladeira abaixo. O Grêmio não vai cair, mas se esforçou para.
E não será só a ausência de Renato Portaluppi que definirá o novo padrão de futebol do clube. É necessário meter a mão na gestão específica e, antes e acima de tudo, não deixar que esta gestão se concentre na mão de quem deveria dar satisfações ao empregador. Restabelecido o poder sem inversões, será a vez de avançar para a revisão geral do grupo de jogadores. Alguns têm contrato encerrando no fim deste ano, basta não renovar. Outros estão confortáveis com contratos longos e polpudos, terão que ser sacudidos pelos ombros. Outros ainda finalmente terão oportunidades reais com sequência e paciência. E, não menos importante, pelo menos dez reforços deverão ser contratados, pelo menos cinco deles com status de titular.
Se fosse para definir o exemplo a seguir, quem me vem à cabeça é um dinamarquês que adotou o Grêmio e Porto Alegre para viver intensamente sua vida profissional. Martin Braithwaite deveria ganhar a braçadeira para 2025 como materialização de sua importância e liderança. Ninguém lutou tanto nos piores momentos mais graves da temporada. Ninguém se esforçou tanto para entender e se fazer numa língua tão distante da sua. Ninguém mereceu tanto o aplauso sofrido da torcida gremista pela entrega comovente a cada jogada.
Se Marchesín só agora se firma no gol, sua liderança reforça a importância que terá no ano que vem. Enfrentou justas críticas quando falhou, foi aos microfones reconhecê-las, evoluiu por trabalhar muito e ressuscitou o Grêmio quando defendeu o pênalti que o Juventude teve para fazer 3 a 1 e convulsionar a Arena. Será também o ano em que Aravena ganhará espaço, Monsalve poderá se estabelecer protagonista e Arezo terá chances reais de mostrar seu valor. Da base deverão vir jogadores para formar grupo ou, caso se feche convicção na qualidade existente, virar titular. Não termina aqui.
O Grêmio, como conceito de futebol, precisa urgentemente se refundar no último ano da administração Alberto Guerra. O pior esteve por acontecer até a rodada 35, a do empate com o Cruzeiro. Uma vitória sobre o São Paulo neste domingo (1º) acaba com a angústia, mas não apaga o espetacular combo de erros cometidos por todos os envolvidos. Na matemática, se não for vencendo o São Paulo, que seja não perdendo este jogo e nem os outros dois contra Vitória e Corinthians. Dias difíceis.