Desde a quinta-feira (22), abateu-se sobre uma metade do Rio Grande uma catarse extraordinária, daquelas de ser estudada como fenômeno no mundo da comunicação. Luís Suárez fez outra atuação antológica na vitória por 3 a 1 sobre o América-MG e despertou, em boa parte da torcida, uma espécie de síndrome do abandono que reverteu em ataques furiosos a jornalistas que deram ou confiaram na informação dada por Eduardo Gabardo e Marco Souza de que o atacante sentia dores lancinantes e falou à diretoria que estava perto do seu limite, cogitando, inclusive, a aposentadoria.
Diante da vitória e da performance maravilhosa de Suárez, combinada com uma entrevista pós-jogo em que o vice-presidente Paulo Caleffi brigava com a notícia arrasa-quarteirão dos dois repórteres da RBS, muita gente de azul decidiu atacá-los e a todos que deram fá à informação. Algo que cresceu em proporção geométrica depois de uma postagem do jogador nas redes sociais — sempre elas a disseminar com anonimato e fúria um ódio infinito a algo ou a alguém.
Não tenho nenhuma razão para duvidar de dois dos maiores repórteres esportivos do país. Eles ouviram a informação das suas fontes, checaram, investigaram e, só depois, com a responsabilidade construída em anos de carreira, publicaram.
Este colunista projetou, assim que soube, que Luís Suárez não pararia de jogar futebol imediatamente e passaria, sim, a ter uma atenção especial de fisiologistas, preparador físico e treinador na intenção de prolongar, com esta qualidade de jogo que ele apresenta a cada rodada, sua permanência como centroavante do Grêmio. Se jogava duas partidas por semana, oito por mês, esta frequência deve cair à metade para que o atacante repouse e trabalhe no limite do seu corpo.
Como se viu contra o América-MG, Suárez em campo não quer sair. Deu pique atrás de bola perdida aos 35 minutos do segundo tempo. Renato Portaluppi o consultou para que deixasse o gramado e o uruguaio disse que ficava. O treinador, enfim, o retirou. Apoteose na Arena. Luís Suárez dá esta dimensão a este Grêmio: joga na intensidade máxima até que seu organismo, exaurido, diga que não dá mais.
Tive duas dores estúpidas na minha vida e lembro com horror das duas vezes. Uma enxaqueca que fazia parecer mais agradável bater a cabeça contra a parede e um ataque agudo de hérnia — a expressão médica não deve ser esta, falo como paciente — perto do ombro, que me fincou uma faca entre as costelas e por alguns dias impediu de me mexer com um mínimo de naturalidade. Tudo que pensei nestes dois episódios é que felicidade era não sentir dor.
Agora, traga para o caso do atleta de alto rendimento que tem dores ao se movimentar. Imagine que ele convive com estas dores em estágios de maior ou menor intensidade há pelo menos nove ano. Nada mais razoável do que cogitar parar de fazer a atividade que catapulta esta dor a níveis estratosféricos. Se a dor o limita a ponto de o impedir de brincar com os filhos nas horas de folga, está pronto o combo de razões para que esta pessoa pensasse em parar.
O Grêmio não vai perder Luís Suárez em meio a esta temporada. Não por conta do interesse do clube que contratou o amigo Messi, nem porque o joelho que tanto dói. O uruguaio é o tipo de profissional que não desonra a palavra dada e o contrato assinado e o tipo de pessoa cujo limiar de dor é altíssimo. O episódio da semana, ainda que deixe feridas abertas nas relações entre jornalistas, jogador, dirigentes e torcida, vai servir de elo ainda mais forte entre o ídolo e seus seguidores.
O elenco inteiro se solidariza com seu expoente, cada um vai dar um tanto mais do que já dava para ajudar Suárez. Se vai virar título na Copa do Brasil ou no Brasileirão, só o campo dirá. Mas o elemento capaz de disparar uma conexão indestrutível entre estas partes está posto. Enquanto isso, longe dos microfones, o atacante gremista terá dores fortes, tomará os remédios que o antidoping autorize, descansará, trabalhará o possível e continuará encantando a torcida gremista.
Em 2023, quem vive no Rio Grande do Sul está podendo ver de perto um dos maiores atacantes da história recente do futebol. Às vezes, Luís Suárez faz parecer que é um adulto jogando entre as crianças. Encontra soluções de um repertório só seu, dá seu jeito.
Na jornada da Gaúcha, quinta-feira passada, cheguei a brincar com o narrador Marcelo De Bona que não votaria em Suárez porque ele passa a dar nome ao troféu ganho pelo melhor jogador do Grêmio a cada rodada. Além de muito talento, ostenta uma entrega física comovente, daquelas que fazem a torcida levantar para aplaudir até uma tentativa malsucedida do seu protagonista.
Renato Portaluppi, que foi absolutamente correto no trato ao episódio Suárez, sabe mais do que ninguém capitalizar cenas como esta. Neste fim de semana, de novo contra um adversário de Z-4, a Arena vai ter mais de 30 mil pessoas dispostas à máxima exaltação quando o nome e a foto de Suárez aparecerem no placar eletrônico antes da partida. Ele merece.
Antes da tempestade
Mais uma vez afiançado pela atuação do seu goleiro, o Inter ganhou e pavimentou um caminho de retomada no Brasileirão. O jogo deste domingo (25), contra o América-MG, em Belo Horizonte, está atravessado, antecede o drama a ser superado na quarta-feira (28) na Libertadores, contra o Independiente Medellín. Será necessário uma ponte afetiva entre time e torcida no Beira-Rio para que a tempestade seja vencida sem destelhamento e inundações.
Os colombianos jogam por dois de três resultados. Em pleno junho, o Inter está muito longe de ter um time confiável, mas é neste time que quem for ao estádio terá de confiar. Mano Menezes já viveu na carreira cenas de reversão positiva de expectativa. Aconteceu no próprio Grêmio que ele conduziu a um vice-campeonato na Libertadores de 2007. A bagagem que o treinador carrega deve ajudá-lo a encontrar as melhores soluções para o jogo que define o ano do Inter.
A carga dramática da partida é enorme. Superada, pode fazer com que os colorados se autorizem novos e maiores planos até dezembro. O inverso teria as consequências de praxe. E ninguém que trabalha no clube neste momento gostaria de reviver melancolias que corroem a alma quando viram rotina.