Minha primeira cobertura presencial de Copa do Mundo aconteceu em 2002 e lembro com riqueza de detalhes e emoções o que representou ser avisado de que o passaporte em dia seria brindado com carimbo sul-coreano e japonês. Eu estava credenciado, a passagem emitida, o uniforme recebido. Para um jornalista esportivo, trabalhar in loco no maior evento esportivo do planeta é muito mais do que ganhar adicionais de viagem e trazer perfume importado.
Este jornalista que escreve, então, se emocionou na máxima potência porque sabia o que queria fazer da vida aos cinco anos de idade e perseguiu obstinadamente o sonho de trabalhar nesta área. Como todo profissional que avança através dos anos na carreira, fiz muito evento pouco relevante até pintar o maior de todos.
E mereci o maior de todos porque tratei os menos relevantes como se fossem Copa do Mundo. Lembro de chegar em casa e contar à minha mulher na época, a linda Ita Pitrez, que eu estava escalado para o evento. Ainda que lhe doesse o tempo que ficaríamos longe um do outro, ela abriu seu melhor sorriso, beijou minha boca e me deu o abraço que sempre me fazia nascer de novo.
Quis o Deus que me guia dar de cereja do bolo o pentacampeonato do Brasil. Fui cobrir para a TVCom o cotidiano de um grupo de torcedores gaúchos liderados pelo já falecido e carismático Gaúcho da Copa. No entanto, não me limitei a fazer o Big Brother de suas aventuras, como da vez em que pararam uma van de policiais sul-coreanos no meio da rua e, ao vê-los descendo do carro, tiraram os quepes dos militares e puseram nas próprias cabeças.
Eu e o excelente cinegrafista Júlio Aguiar fomos atrás de gente. O programa se chamava Gente da Copa. Um dos momentos mais hilários aconteceu em Ulsan, primeira cidade da Seleção Brasileira. Fomos a uma feira e havia uma feirante muito pequena que, na aparência, tinha acabado de brigar com alguém que pegou as frutas e não levou.
Então, me aproximei, Julinho gravando, e comecei a perguntar em português o preço dos produtos. Ela, que já estava brava, falava comigo aos gritos. Talvez estivesse dizendo que não me entendia. Eu respondia como se tivesse entendido o que ela dissera e emendava outra pergunta. Algo do tipo "tá bom, mas e a maçã? Quanto o quilo da maçã?"
Alterada, a pequena e anciã sul-coreana aumentava o tom da voz e de novo eu retorquia com outra pergunta na língua que ela não entendia. "Certo, então vou levar melão. Nem quero saber o preço, vou levar, me dá um quilo..." Isso durou uns bons três minutos. Foi quando não consegui mais conter o riso, nem o Julinho. Parei a gravação, me desculpei em português com a enfezada feirante e seguimos em busca de outra pauta.
O que me chamava atenção em especial era o desfile de cores, idiomas e cheiros da multidão universal pelas ruas. À medida em que o Brasil foi avançando, mais torcedores de outros países iam cercando a movimentação da delegação brasileira. Jornalistas brasileiros viravam atração também, o crachá era um carteiraço, a bandeira brasileira na manga do uniforme do Grupo RBS, também.
Dei entrevista e tudo. Entre as pautas inusitadas, houve uma que cobri ao lado do meu amigo David Coimbra. Foi na Ilha de Jeju, a preferida dos casais em lua-de-mel na Coreia do Sul. David, eu e Julinho andamos de submarino! Como inesquecível foi ver os casais chegando no motel em que parte da delegação do Grupo RBS teve que se hospedar por falta de vagas. Eles chegavam a pé, faziam fila no saguão, pegavam no balcão toalhas e sabonete. Os casais subiam conversando uns com os outros até cada um entrar nos seus quartos.
A cobertura toda foi maravilhosa pelo entrosamento do nosso time de jornalistas da empresa. Um dia antes da final contra a Alemanha, estávamos no hotel da Seleção e o Gaúcho da Copa vestia uma camisa canarinho que tinha comprado a 25 reais num camelô em Porto Alegre. Clóvis Acosta Fernandes, este era o nome dele, tinha um carisma incrível. Naquela noite, no Jornal Nacional, apareceu fingindo dormir abraçado à réplica da Copa que carregava sempre consigo. Pois bem, o Gaúcho da Copa aparecia em todo jogo do Brasil na tela do placar eletrônico. Era celebridade.
Um gringo o reconheceu no saguão do hotel neste dia e ofereceu mil dólares pela camiseta que o Clóvis estava vestindo. Sem titubear, tirou a camisa ali mesmo, entregou para o comprador e pediu ao filho que providenciasse outra que estava na mochila para vestir. Nem a Fifa lucra tanto quanto lucrou o Gaúcho da Copa nesta transação. Investimento inicial de R$ 25, retorno de US$ 1 mil. Gênio.
Haveria outras tantas histórias deliciosas para contar da minha primeira Copa, a do Penta. Faltou a do Luiz Felipe Scolari num treino aberto ao ser questionado numa orientação tática por Edmílson. Com a voz mais baixa de que foi capaz, o técnico perguntou ao volante/zagueiro: "quer o boné e o apito, Edmílson?"
Enfim, contei algumas boas histórias da minha estreia em Copas do Mundo. Preciso encerrar esta coluna dizendo que, 40 dias depois, fui recebido pela Ita na nossa casa na Duque de Caxias com o mesmo beijo de quando anunciei minha ida e aquele mesmo abraço que sempre me fazia nascer de novo.