O tempo pode amarelar as fotos de times campeões. Algumas delas viram meros registros desbotados, mas aqueles times que marcam de verdade a história não deixam de cintilar com o passar dos anos. Pelo contrário. Ao passo que dias viram semanas, que viram meses, que viram anos, que décadas se sucedem, o brilho fica mais intenso.
Caso da Seleção Brasileira pentacampeã em 2002 na Copa da Coreia e do Japão, cujo aniversário de 20 anos se comemora no próximo dia 30. A cada nova página do calendário, parece que o time formado por Luiz Felipe Scolari joga cada vez melhor. Tanto tempo depois, nenhuma equipe nacional ou clube conseguiu montar um elenco com quatro jogadores eleitos como melhores do mundo — o Real Madrid da temporada 2012/13 com Modric, Cristiano Ronaldo e Kaká pode igualar a marca caso Benzema seja eleito o melhor do mundo neste ano.
Mesmo com fama de retranqueiro, Felipão não desperdiçou a chance de escalar Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho juntos, apesar de os dois primeiros carregarem o fardo da desconfiança em relação às suas condições físicas. Foi encontrado ainda espaço para um imberbe Kaká na lista de convocados.
Outra maneira de ver a grandeza daquele time é citar nomes que ficaram de fora da convocação, como Romário. Sua presença elevaria a cinco o número de melhores do mundo sob o comando de Felipão. André; Zé Maria, Antônio Carlos, Juan e Zé Roberto; Flávio Conceição, Juninho Pernambucano, Alex e Djalminha; Romário e Amoroso seria um time forte e nenhm deles foi chamado. A lista ainda poderia contar com Élber, Jardel e seus 42 gols pelo Porto, e Marcelinho Carioca. Era abundância de qualidade.
O famigerado defensivismo scolariano se esfarelou jogo a jogo em um time que venceu seus sete jogos e marcou 18 gols, média de 2,57 por partida (a da Copa foi de 2,51). Tudo passou pelos pés dos três Rs.
Os 20 anos do penta serão comemorados em 30 de junho. Desde sexta-feira (24) até o dia do aniversário da conquista, GZH publicará uma série de conteúdos especiais que contam a trajetória do time de Luiz Felipe Scolari rumo à apoteose do futebol mundial.
Hoje, conheça a história do elenco que teve quatro jogadores eleitos pela Fifa como melhores do mundo.
Ronaldo
Para Ronaldo foram mais do que três Rs. Nos quatro anos entre a final da Copa da França e a da Coreia e do Japão, ele se reergueu várias vezes, reconstruiu o joelho, restaurou a forma física, renasceu, reviveu traumas até marcar os 2 a 0 sobre a Alemanha na final e restaurou sua carreira, tida como terminada aos 25 anos.
Entre a convulsão antes da decisão de 1998 e os dois gols em Yokohama, muitas lágrimas, dores e constrangimentos rondam sua vida. Precisou ir à CPI da Nike, para investigar a relação da empresa com a CBF, e responder quem deveria marcar Zidane nos escanteios, entre outros conjuntos vazios de questionamentos.
Foi o de menos. Junto com as dores, vieram duas cirurgias no joelho direito. A primeira em novembro de 1999. Quatro meses depois, era arma da Inter de Milão na final da Copa Itália, no Estádio Olímpico de Roma. Entrou no segundo tempo e durou seis minutos em campo, quando desabou no chão após tentar aplicar um drible. Quem estava próximo relata ter ouvido um estampido quando um dos ligamentos do joelho se rompeu. Em quatro meses, saia de campo aos prantos pela segunda vez. Era preciso reconstruir o ligamento novamente.
Calejado da primeira cirurgia, não teve pressa para retornar após a segunda. Foram mais de 500 dias de recuperação. Quando estava pronto para voltar, a Inter liderava o Campeonato Italiano. O técnico do time, o argentino Hector Cúper, havia ajustado a equipe e dava pouco tempo para Ronaldo em campo, o que gerava reclamações vindas da comissão técnica brasileira.
Espernear deu resultado, ao menos para Ronaldo. A titularidade foi retomada, mas a equipe perdeu rendimento. A vantagem conquistada sobre Juventus e Roma mingou nas rodadas finais. No último jogo, o drama, mesmo que de outra forma, foi revivido. No mesmo Olímpico de Roma, as lágrimas pingaram do rosto de Ronaldo após a derrota por 4 a 2 para a Lazio, culminando com o título da Juve. Era necessário se reerguer de novo.
Felipão confiou no renascimento de Ronaldo e o chamou para a Copa. Antes da final, remoeu o medo da convulsão e evitou dormir. Retribuiu a confiança com oito gols na competição, quebrando uma sequência de seis edições em que o artilheiro do Mundial marcava seis vezes. O melhor do mundo em 1996 e 1997 restaurou seu posto e, no final daquele ano, a coroa do futebol mundial voltou a repousar sobre sua cabeça, já sem corte ao estilo Cascão.
Rivaldo
Questionamentos sobre as condições físicas flutuavam ao redor de Rivaldo antes de a Copa começar. Nada relacionado há sua qualidade técnica e aplicação tática, essas só causavam problemas com Louis van Gaal, seu técnico do Barcelona, com quem tinha uma relação ao estilo Tom e Jerry. Trazia no seu joelho direito uma distensão em um dos ligamentos sofrida no final de abril. Quando Ronaldo dava sinais de recuperação, Rivaldo virou preocupação.
— Foram tempos difíceis para mim — admitiu o camisa 10 após a final.
— Joguei com o pé enfaixado. Fiz uma bota que apertei para o segundo tempo. Na primeira chance, chutei com o pé enfaixado, o goleiro soltou e o Ronaldo fez o gol — contou após a conquista.
As estatísticas mostram parte da importância do jogador na campanha. Nos cinco primeiros jogos, cinco gols, um em cada partida. O que elas não mostram foi a importância da final. A frieza da análise omite suas participações no gol. No primeiro, foi do seu pé que saiu o chute defendido parcialmente por Kahn. No segundo, sem tocar na bola, abriu as pernas para enganar a marcação e deixar Ronaldo em condições de ampliar.
O pernambucano criticado na disputa dos Jogos Olímpicos de 1996 e discreto dois anos depois no Mundial da França, enfim, chegou ao protagonismo com a camisa canarinho. Foi declarado o melhor da Copa por Felipão, Ronaldo e uma penca de gente, menos para a Fifa.
Ronaldinho
Só ao fazer a impressa transferir o diminuitivo de Ronaldo Nazário para manter o do seu nome mostra as credenciais de Ronaldinho na Seleção Brasileira. Mas ao contrário dos outros dois Rs, o gaúcho não carregava o peso das dúvidas. Era a chance de ser um coadjuvante de luxo. Papel cumprido com eficácia.
No Japão e na Coreia, a cria gremista completava seu terceiro ano na Seleção. Tinha terminado a sua temporada com o PSG, ainda longe de ser uma potência, com números que escondiam suas jogadas mágicas. Foram 40 jogos e 13 gols. Apesar de ter deixado a Ásia podendo escolher onde atuaria, ficou mais uma temporada em Paris antes de sair para fazer história no Barcelona por 32,25 milhões de euros (R$ 115 milhões à época). Com a camisa blauna, foi eleito o melhor do mundo em 2005.
Em seus 97 jogos pela Seleção Brasileira, construiu uma memorabilia invejável, desde o drible desconcertante diante da Venezuela, em sua segunda partida, passando pelo gols diante da Inglaterra. Antes de surpreender o David Seaman, R10 tinha contabilizado o seu primeiro gol em Copas em pênalti cobrado diante da China. Então teve o golaço diante dos ingleses (ler mais ao lado).
— Não sei dizer exatamente quantas vezes me perguntaram. Sei que foram inúmeras. Com certeza mais de mil — comentou em suas redes sociais em 21 de junho, quando aquele gol completou os primeiros 20 anos de vida. — Minha resposta é sempre a mesma: queria chutar — complementou.
Foi o último gol do filho de Dona Miguelina em Copas, afinal impossível melhorar o que tinha sido feito com perfeição.
Kaká
A presença de Kaká entre os 23 convocados representava a nova geração do futebol brasileiro. Aos 18 anos em 2002, foi o último a garantir um lugar entre os 23 convocados e o último brasileiro a receber a honraria de principal craque do futebol. Desde que a Fifa o elegeu como o melhor do mundo, o Brasil nunca mais teve um jogador a ocupar este posto.
Na Coreia e no Japão, ele disputou somente 18 minutos, aos entrar no final da vitória por 5 a 2 sobre a Costa Rica, a última na fase de grupos. Na decisão, seria a última substituição de Felipão, mas os acréscimos dados por Pierluigi Colina foram disputados sem a bola sair de campo. Quando o jogo parou, o árbitro italiano encerrou a partida para começar a festa brasileira.