O mundo projetado em "Os Jetsons", desenho animado dos anos 1990, ainda não se materializou por completo (temos 40 anos para isso, afinal o desenho se passa em 2062). O mais próximo que se pode chegar hoje em dia no mundo da animação vivida por George e Jane se chama Lusail. A cidade será uma das atrações da próxima Copa do Mundo. Não bastou construir estádios, o Catar decidiu erguer uma metrópole do zero em um lugar onde só tinha areia. Mas criar um novo município no meio do deserto parecia pouco para as ambições catari. Os organizadores foram além e construíram uma cidade moderna e inteligente.
Se na antiguidade os faraós ergueram monumentos como as pirâmides e a Esfinge, os símbolos hoje são outros. Do solo catari brotam do chão monumentos de vidro, ferro e concreto. A medida de “transformar” dunas em arranhas-céus faz parte de um projeto ambicioso que está sendo entregue com oito anos de antecedência. No começo do século, foi lançado o Catar 2030, um plano estratégico para transformar a nação. O interesse com a medida recai em desvincular o país da extração de petróleo e transformá-lo em um local de alto desenvolvimento humano e econômico. A escolha do Catar como sede do Mundial em 2010 serviu como um catalisador para o programa.
Em 2005, o projeto de Lusail começou a sair do papel. Com o compromisso de abrigar a Copa, decidiu-se por acelerar o processo em alguns anos. Nada que um investimento de 45 bilhões de dólares (R$ 233,1 bilhões na cotação atual) não resolvesse. No último relatório divulgado pela Qatari Diar, empresa imobiliária do governo local, responsável por edificar essa porção do deserto, 95% da cidade estava concluída em fevereiro do ano passado. Na prática, a realidade talvez seja outra.
— Olha, continua no meio da areia, porque é uma poeirada danada - brinca a carioca Bianca Silva, há dois anos morando no país. — É obra, obra e obra. Estão construindo um shopping que inaugura esse mês ainda. Tem muito prédio. Os maiores ficam perto da marina — complementa.
O local escolhido para cidade é histórico. Foi naquelas areias que o xeque Jassim bin Mohammed bin Thani morou após fundar o Catar. Depois da sua morte, em 1913, a região não se desenvolveu, sendo habitada por pequenos povoados desde então.
Espalhada em uma área de 38km² , Lusail quer se destacar como uma cidade de ideias, marcada pela inovação, inteligência, sustentabilidade e uma infraestrutura integrada. A pretensão é apresentar soluções de problemas vividos pelas grandes cidades.
— É muito gratificante ver o crescimento do Catar. Ter toda essa infraestrutura moderna, um prédio mais bonito que o outro. Têm áreas bem movimentadas já, como a avenida beira-mar. É um espaço que leva muitas pessoas, virou um ponto de referência - conta Fábio Montezzine, brasileiro naturalizado catari e que defendeu a seleção do país. Atualmente é o técnico do Lusail SC, da segunda divisão local.
Os idealizadores de Lusail estão dispostos a oferecer aos moradores uma vida sem engarrafamentos. Um sistema de monitoramento foi implantado para vigiar as principais ruas. As câmeras são capazes de identificar um acidente, acionar a polícia, guincho e ambulância, se preciso, e remanejar o trânsito através de telões colocados sobre as vias.
Apesar dos olhos atentos, alguns problemas surgiram. Em novembro do ano passado, o portal Doha News publicou três matérias relatando a reclamação de moradores devido a rachas realizados com carros e motos nas largas ruas de Lusail.
Se os catari querem apresentar soluções para grandes metrópoles, eles sofrem com um problema inexistente nas principais cidades do mundo. A preocupação de como povoar uma cidade projetada para receber 250 mil habitantes deve ficar para depois da Copa. A meta é criar na cidade uma economia baseada no conhecimento com oferta de até 190 mil empregos. Tudo para deixar o apelido de "cidade-fantasma" no passado.
Não será simples encontrar uma solução. Em 2020, de acordo com estudo feito pela ValuStrat, empresa de consultoria imobiliária, existem 80 mil residências desocupadas no Catar. Essa sobra não diminuirá com uma nova metrópole.
—Até agora não estão fazendo muito esforço. Tenho conversado com muita gente,e os proprietários estão pedindo os apartamentos de volta para todo mundo para alugar para a Copa. É para as pessoas saírem em outubro e voltarem em janeiro. Eles Não fazem questão de alugar agora e acelerar o processo. Antes, estão esperando gente com muito dinheiro — relata Bianca.
Há 17 anos vivendo no país, Fábio Montezine assumiu como técnico do Lusail SC há poucos dias. Ele deve ter o privilégio de comandar a equipe no Estádio Lusail. Palco da final da Copa do Mundo, o equipamento terá capacidade para receber 80 mil pessoas, cerca de um terço da população prevista para a cidade.
— É um time que nasceu agora. É um país pequeno, com muitas equipes, o que não deve fazer com que o estádio tenha um grande público nos nossos jogos — comenta.
O estádio é o único dos que receberá jogos que não foi inaugurado. O primeiro jogo oficial ainda não tem data marcada, mas deve ocorrer em breve, de acordo com previsão do Comitê Organizador.
Morador de Doha, Fábio percorre todos os dias os 15km que separam a nova cidade da capital. Desde o começo do ano, a população tem o sistema de metrô à disposição com seis estações e conexão com Doha. Os trens colocados em funcionamento são os mais rápidos do mundo a funcionarem sem condutor. Se a moda pega, é capaz de o Catar continuar com uma cidade sem moradores.