As raízes do pentacampeonato do Brasil foram fincadas mais de um século antes daquele Brasil e Alemanha de 30 de junho de 2002. Em 1891, um grupo de italianos desembarcou no porto de Rio Grande para continuar a vida do lado de cá do Atlântico. Entre os imigrantes estava Luigia Bellini. Viúva de Luizi Scolari, ela deixou Cologna Veneta, localizada no norte da Itália, entre Verona e Venezia, para tentar a vida no Brasil. Partiu de barco levando roupas e seus seis filhos, entre eles o caçula Luigi. Ali naquele momento, começou a surgir a versão brasileira da Família Scolari.
Luigia (depois Luiza) é a bisavó de Luiz Felipe Scolari. Luigi (depois Luiz) é o avô de Felipão. Não fosse por ela, a história do futebol poderia ser diferente e, quem sabe, a do italiano também. Graças a ousadia dela, o Brasil comemora na quinta-feira (30) os 20 anos do Penta.
Um dos aspectos mais importantes da campanha brasileira da Copa da Coreia e do Japão foi a criação de uma ramificação da árvore genealógica da Família Scolari. Para comemorar o aniversário da conquista, GZH publicará entre sexta-feira (24) e quinta-feira (30) uma série de conteúdos especiais sobre o quinto título mundial da Seleção Brasileira. Hoje, conheça um pouco mais sobre a formação da Família Scolari.
A Família Scolari
A Seleção estava em descrédito. O futebol brasileiro era escrutinado em duas CPIs. Em campo, o futebol apresentado trazia poucas esperanças de que o Penta pudesse ser conquistado em 2002. Desde a semifinal da Copa de 1998 até o fim das Eliminatórias para o Mundial seguinte, poucos foram os momentos em que a camisa canarinho fez o torcedor sorrir. Sob o comando de Emerson Leão, o time foi alvo de vaias e de uma chuva de bandeirinhas de plástico pelos maus resultados.
Foi com o esse clima de desesperança dentro e fora de campo que Felipão assumiu o time em 2001. Em sua primeira convocação, o treinador repetiu a estratégia utilizada por seus antecessores. Tanto Vanderlei Luxemburgo quanto Leão convocaram Romário. Apesar dos 35 anos, o Baixinho ainda empilhava gols. Para a estreia contra o Uruguai, adversário direto na briga por uma lugar na Copa, o atacante do Vasco voltou a ser chamado para o jogo de 1o de julho de 2001.
O camisa 11 ainda ganhou a braçadeira de capitão. Apesar da derrota por 1 a 0, a parceria entre técnico e jogador tinha chances de durar até o ano seguinte, mas durou poucos dias. Precisando de bons resultados na Copa América para turbinar o início de trabalho, Scolari queria contar com Romário no torneio com início 11 dias depois. O jogador alegou que precisaria passar por uma cirurgia no olho e rechaçou uma possível convocação.
A confiança foi quebrada quando, durante a Copa América, o atacante disputou amistosos com o Vasco no México e tirou uns dias de descanso no Caribe na sequência. O procedimento ocular foi realizado somente em 24 de agosto, um mês depois da eliminação brasileira para Honduras. Reverbera até hoje também a versão de que Romário tenha tido problemas de comportamento durante o período de concentração antes do confronto contra os uruguaios.
Felipão viu a situação se agravar. Seu trabalho tinha iniciado com derrota e com uma queda precoce na Copa América. Agora, tinha de cortar Romário de sua lista de convocáveis, mesmo que o centroavante multiplicasse gols no futebol brasileiro. O clamor por um dos heróis do tetra durou até o dia da convocação final, quando seu nome não estava presente.
Artimanhas de Felipão
Envolto a um clima desfavorável, o treinador começou a utilizar artimanhas para unir o grupo e ter um pouco mais de simpatia entre os torcedores. Para o jogo contra o Paraguai, em Porto Alegre, pelas Eliminatórias, formou um time com jogadores então vinculados ao Grêmio, colocando Eduardo Costa, Tinga e Marcelinho Paraíba entre os titulares no 2 a 0 no Olímpico.
A medida aliviou pontualmente os ânimos, mas colocou o técnico em contradição. Sua intenção inicial era convocar ao todo cerca de 3o jogadores até a Copa do Mundo. Em um ano à frente do time, chamou mais de 40 candidatos a um lugar no avião que levaria a Seleção à Ásia.
Aos tropeços, o Brasil se manteve vivo até a última rodada das Eliminatórias. Na caminhada, Felipão foi anotando o nome daqueles que lhe ajudaram a sobreviver e chegar ao Japão e à Coreia. Entre eles, Luizão, autor de dois gols no 3 a 0 sobre a Venezuela, partida que confirmou a Seleção na Copa do Mundo.
Grupo fechado
Ao apostar em nomes que se recuperavam de lesão como Ronaldo, Rivaldo e Luizão, Felipão firmou uma proteção recíproca entre trinador e elenco. Assim como o técnico servia de escudo para as críticas aos jogadores, os atletas defendiam as decisões de Scolari. A relação em que um lado escudava o outro moldou as relações dentro do grupo.
— O grupo era impressionante, incrível, familiar, todo mundo se conhecia, todo mundo sabia onde tinha que jogar, sabia o que queria. O mais importante era isso, todos sabiam da sua responsabilidade. Isso fez com que fosse um grupo coeso e vencedor, sem vaidade — pontuou Cafu, em entrevista à Rádio Gaúcha no final de semana.
Durante a preparação, a ideia de família ganhou laços mais espessos. Aos poucos, a impressa começou a usar a expressão "Família Felipão". Outro fator que fortaleceu a união ocorreu durante o período de preparação, em Barcelona. Tema bastante cabeludo, o bônus pela conquista foi tratado com tranquilidade junto à CBF. A premiação virou um tabu desde os problemas enfrentados durante a Copa do Mundo de 1990.
— É natural que tenha sido um termo da imprensa, mas por causa do ambiente de família, porque existia a preocupação de todos lá em servir à Seleção. Quando os jogadores ouviram de quanto seria o prêmio, fizeram os cálculos na mesma hora e dividiram a premiação por todos os que lá estavam. É uma coisa que nunca tinha existido na Seleção. O maior elogio que recebi até hoje foi do ex-presidente João Havelange, que, durante uma visita antes de um jogo na Coreia, disse para todo mundo que não tinha visto em todos os anos dele de futebol um ambiente tão bom como aquele — destacou Scolari, quando Penta completou sua primeira década de vida.
Outro fator que criou um ambiente simbiótico entre todos foram as palestras motivacionais que antecederam cada um dos sete jogos. Antes da vitória sobre a Alemanha, independentemente do resultado, dona Luigia Bellini tinha 23 novos trinetos.