O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não apresentou o resultado oficial das eleições da Venezuela no prazo legal de 72 horas, as atas que comprovariam o resultado das urnas são desconhecidas, a oposição a Nicolás Maduro apresenta indícios graves de fraude. Mesmo assim, o presidente Lula só se manifestou pra dizer que não viu "nada de anormal" no pleito. A postura é criticada dentro do próprio governo, gera desgaste na base do petista e, sem uma mudança de rumo, poderá influenciar negativamente os nomes apoiados por Lula nas eleições municipais.
Entre nomes importantes do PT, o senador gaúcho Paulo Paim foi um dos primeiros a dizer publicamente que a situação na Venezuela é "gravíssima e lamentável". Ainda pontuou que "sem transparência no processo eleitoral, liberdade política e de expressão, e respeito aos direitos humanos, não há democracia".
Além da contrariedade de diversas lideranças do Congresso, a postura de Lula gera desconforto entre ministros. A titular do Meio Ambiente, Marina Silva, opinou que o regime chavista, hoje, "não se configura uma democracia". Outros ministros já se manifestaram em reservado, mas evitam declarações públicas mais contundentes como forma de evitar atrito.
A relação de Lula com o chavismo sempre foi explorada pela oposição. Mas o tema ganhou força pela proximidade das eleições municipais e do agravamento da crise institucional, social e econômica do país vizinho.
Em Porto Alegre, o prefeito e pré-candidato à reeleição Sebastião Melo (MDB) cobrou transparência sobre o processo eleitoral venezuelano, enquanto sua principal adversária, Maria do Rosário (PT), permanece em silêncio. A nota da presidência nacional do PT, que parabenizou Maduro, é explorada por adversários do partido no Rio Grande do Sul e já serviu para cobranças à deputada.
Em São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) já expôs Guilherme Boulos (Psol) pela suposta conivência com o regime chavista e a falta de uma crítica contundente à situação venezuelana. Em outras cidades com disputas polarizadas, o tema também é explorado e poderá inclusive servir de contraponto às críticas que a esquerda fez sobre o autoritarismo e as tentativas do ex-presidente Jair Bolsonaro em romper com o regime democrático.
Até agora, Lula é um dos poucos líderes internacionais com diálogo aberto tanto com Maduro quanto com o governo dos Estados Unidos e outras potências que exigem auditoria das eleições venezuelanas. O petista tem chance de mudar o tom das declarações, mostrar verdadeiro compromisso com a democracia e se afastar da postura adotada por ditaduras e autocracias, como China, Rússia e Irã. Para isso, terá de expor que seu pragmatismo está acima da simpatia ideológica ao regime que afundou o país vizinho.