A monotonia da cerimônia de posse de Flávio Dino como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (22), resumiu o início de uma mudança radical em sua ampla trajetória pública. Talvez tenha sido o primeiro evento em que Dino participou como protagonista sem direito a fala.
O roteiro seguido pelo cerimonial, em uma sessão curta e sem discursos, é o mesmo de outras posses. Ao vestir a toga, quem mudou foi Dino — e se comprometeu a reprogramar a rota de sua ascendente carreira política.
O passado de juiz federal e professor de Direito deve garantir a bagagem jurídica a Dino para exercer a nova função. A experiência como governador do Maranhão, deputado, senador e ministro de Estado também poderá contribuir na análise de temas complexos e de ampla repercussão, comuns na Suprema Corte. Mas a legítima desconfiança sobre a influência de seu posicionamento político e ideológico voltará sempre à tona, e isso é inevitável. Ainda mais quando escorrega nas palavras, como fez em um discurso no Senado nesta semana, quando não descartou voltar à política após a aposentadoria compulsória, aos 75 anos.
Para se blindar a críticas antecipadas e acusações de parcialidade, o ministro evitou entrar em bola dividida desde que foi anunciado pelo presidente Lula como escolhido para a Suprema Corte. Foi assim em sua sabatina no Senado, onde prometeu atuação estritamente técnica, e inclusive se comprometeu a excluir contas em redes sociais. Após a aprovação, não fugiu dos microfones, mas sempre com o cuidado de não antecipar debates em que poderá se envolver como membro do Judiciário.
Assim como fez na escolha do advogado Cristiano Zanin, Lula indicou Dino ao STF por confiar em sua lealdade. Não é de se prever, portanto, que o ministro venha a ser uma pedra no sapato do presidente. Bem pelo contrário.
Mas o histórico da Corte mostra que a ideia sobre um alinhamento irrestrito pode ser precipitada. Para ficar apenas em um exemplo, o histórico do ministro Joaquim Barbosa, que foi indicado por Lula e virou algoz do PT no Mensalão.
O contexto de uma Suprema Corte vista com atenção de todos os lados, aliás, deve ser determinante na arrancada do mandato de Dino. Nos últimos meses, após uma série de recados do Congresso de que a crise institucional poderia ficar insustentável, os ministros diminuíram as declarações públicas e têm evitado tratar de temas polêmicos.
Depois de passar os últimos anos subindo em palanques, liderando brigas políticas e acumulando amigos e inimigos, chegou a hora de Flávio Dino ganhar notabilidade apenas pelo uso da caneta. A dúvida é se ele vai cumprir a promessa de deixa a política partidária e ideológica de lado, e se resistirá à monotonia da toga.