A sabatina simultânea de Flávio Dino e Paulo Gonet, os indicados pelo presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi marcada por um nível de civilidade acima do esperado.
Quem conhece a dinâmica do Senado previa um clima de CPI, dada a disposição de Dino em confrontar opositores. Mas até mesmo os críticos mais ferrenhos decidiram baixar a guarda.
Em suas primeiras manifestações, Dino demonstrou a intenção de virar a página da política e assumir o papel de juiz. Evitando provocações e temas delicados, buscou diminuir o peso político de sua indicação.
Os senadores seguiram a mesma linha. Até os que fizeram críticas ao atual ministro da Justiça cuidaram para não destruir uma ponte que poderá ser necessária no futuro.
Capturada com riqueza de detalhes pelos fotógrafos, uma conversa ao pé do ouvido entre o ex-juiz Sergio Moro e o indicado de Lula ao STF foi além de uma cena inusitada. Mostrou as voltas que o mundo da política dá, e que coloca o interesse de proteção mútua acima de diferenças ideológicas.
Enquanto senador, Moro (União-PR) tomou a palavra na sabatina para encaminhar críticas ponderadas a Dino, disse que o país precisa de "pacificação e conciliação", e pediu comprometimento do futuro ministro de que irá esquecer a política para exercer o papel de membro do Judiciário. Ou seja, frustrou a expectativa dos militantes que defendiam um enfrentamento mais duro.
A oposição passou os últimos dias dizendo que iria expor Dino durante a sabatina. Alguns parlamentares reclamaram da demora na divulgação de imagens capturadas na sede do Ministério da Justiça após o 8 de janeiro. Dino repetiu a versão de que disponibilizou todo o material ao qual tinha acesso.
Ao ser questionado se eventualmente se consideraria impedido de julgar um processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, Dino afirmou que a disputa política ficou para trás, em mais uma resposta protocolar em que fugiu dos embates.
— Vários aqui têm mencionado uma confusão entre adversário político e inimigo pessoal. Eu não sou inimigo pessoal de rigorosamente ninguém — argumentou.
Em meio ao embate entre Congresso e Supremo, Dino que, enquanto governador, reconheceu a importância da "legalidade dos atos administrativos", opinou que o Judiciário deve fazer revisões de forma excepcional a medidas do Executivo e do Legislativo, e que decisões monocráticas devem ser limitadas - na linha do que o Senado já aprovou.
Tanto o indicado ao STF como o escolhido para a PGR evitaram comentar casos concretos, e se esquivaram de temas controversos, como o inquérito das fake news, aberto durante o governo Bolsonaro e que serviu de base para prisões e outros atos que atingiram principalmente apoiadores do ex-presidente.
Por toda a disposição dos indicados em evitar confrontos, o clima de hostilidade ficou longe das projeções. Mas não é de hoje que a maioria dos parlamentares toma cuidado ao lidar com o futuro responsável por assinar eventuais denúncias e o futuro juiz responsável por analisá-las.