Faz quase um mês que o país debate um pacote de corte de gastos para obter o que o Banco Central (BC) chamou, correta e diplomaticamente, de "redução de crescimento" das despesas.
As especulações começaram em meados de outubro, quando se falava em adoção de medidas "depois das eleições" municipais. Uma das circunstâncias do pacote é o mercado financeiro: a percepção de inconsistência da política fiscal fazia o dólar subir, aumentando a inflação, e os juros futuros escalarem. Esses movimentos pressionam o BC a elevar também o juro básico, como já ocorre.
Mas o prazo foi se estendendo e ficou para depois de outra eleição: a para a presidência dos Estados Unidos. A estridente vitória de Donald Trump é outro fator de pressão cambial, porque 11 entre 10 economistas avaliam que o dólar vai se valorizar ante a maioria das moedas, real incluído.
O que poderia ser um saudável exercício democrático, discutir com todos os envolvidos como fazer a "redução do crescimento" dos gastos virou um drama prolongado. O que o BC quis dizer com a expressão correta e diplomática é que a missão do governo Lula é corrigir duas decisões tomadas na atual gestão que mais pressionaram as contas públicas: a revinculação dos gastos com saúde e educação à receita e o aumento real do salário mínimo.
A coluna já abordou várias vezes o tema da revinculação, mas nunca é demais lembrar: o arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos, que limitava todos os gastos federais à variação da inflação saúde e educação incluídas.
Ao fazer a troca, a equipe econômica ignorou alerta de especialistas sobre a combinação da reativação dos chamados "pisos constitucionais" ao ajuste baseado em arrecadação. A receita subiu e levou junto os mínimos aplicados em saúde e educação. Se o teto de gastos era restritivo demais com esses gastos sociais relevantes, o arcabouço foi excessivo.
Às eleições municipais seguiu-se a vitória de Trump e, na próxima semana, ocorre no Brasil a reunião de cúpula do G20, o grupo das maiores economias do mundo. São esperados chefes de Estado de vários dos muito mais de 20 representados. E às vésperas desse momento sempre tenso, em qualquer latitude, espera-se o anúncio de medidas de ajuste fiscal, desde sempre apelidadas de "pacote de maldades".
É claro que, na Esplanada dos Ministérios, acendeu-se um alerta: e se houver manifestações, genuínas ou fabricadas? Thomas Traumann, ex-ministro das Comunicações no governo Dilma que conhece bem boa parte dos envolvidos na decisão, fez a tese de que o pacote só vem depois que o último chefe de Estado sair do Brasil.
E ainda há a maior das circunstâncias: a decisão está nas mãos de um presidente que já vestiu macacão de operário. A mãe de todas as medidas seria a limitação de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo a 2,5% ao ano.
Como a regra prevê correção pela inflação, mais a variação do PIB de dois anos antes, para o próximo ano o indexador seria o crescimento de 2023, que foi de robustos 3,3%. Reduzir o aumento real do mínimo tem forte impacto na previdência e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), duas dores de cabeça em crescimento de despesas.
Mas afeta diretamente a biografia e os aliados históricos de Lula. É por isso que, nos últimos dias, o presidente tem cobrado - também corretamente, mas sem efeito visível - ajuste não só no "andar de baixo" da economia, mas no Congresso, no Judiciário e até em subsídios públicos para empresas. O Brasil espera um pacote recheado de circunstâncias que podem, inclusive, condicionar seu recheio.
O que pode vir dentro do pacote
Previdência dos militares: a mais nova expectativa, criada pela inclusão do Ministério da Defesa nas negociações de corte, envolve a previdência dos militares, poupada na reforma previdenciária.
Salário mínimo: limitar a 2,5% o aumento real do piso. Atualmente, a regra prevê correção pela inflação, mais a variação correspondente ao aumento do PIB de dois anos antes. Para o próximo ano, portanto, valeria o crescimento de 2023, que foi de robustos 3,3%.
FGTS/Seguro-desemprego: depois da reação furiosa do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao uso dos recursos da multa de 40% do FGTS para financiar todos os pagamentos de seguro-desemprego, houve uma inversão. Agora, a alternativa é descontar da multa do FGTS o seguro-desemprego de cada um. Ao menos, é mais justo.
Teto geral: disseminar o limite de 2,5% acima da inflação para o aumento de gastos, alinhando os obrigatórios ao arcabouço fiscal, que prevê que as despesas gerais não podem crescer mais de 2,5% acima do IPCA.
Fundeb: elevar de 30% para 60% a parcela de recursos federais do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica) que contam para o cálculo do piso de educação.
Abono salarial: reduzir o alcance do benefício pago a trabalhadores empregados que ganham até dois salários mínimos mensais.
ProAgro e o seguro-defeso (pago a pescadores durante a época da reprodução dos peixes): hoje despesas obrigatórias e precisam ser feitas mesmo em caso de redução do orçamento, passariam a ter controle de fluxo, ou seja, só haveria desembolso do valor total se houvesse folga.