Se havia dúvida, o estresse da quinta-feira (22) tirou: o mercado não vai se satisfazer só com declarações sobre a possibilidade de elevar o juro básico. Como uma manifestação de Gabriel Galípolo, favorito para ocupar a presidência do Banco Central (BC) em janeiro, havia sido interpretada como mais dura até do que a do atual presidente, Roberto Campos Neto, o virtual sucessor fez questão de lembrar que a decisão de setembro sobre a Selic está aberta, ou seja, pode não haver aumento. O dólar quase voltou ao patamar de R$ 5,60 e a bolsa interrompeu sequência de três recordes máximos sucessivos. Roberto Padovani, economista-chefe do BV (de banco Votorantim), explica o racional sobre a reação: o modelo do BC mostra que a Selic de 10,5% não levará a inflação a 3% ao ano, meta com a qual o governo Lula se comprometeu.
Por que o mercado segue em modo reviravolta, inclusive no Exterior?
No mundo, o tema continua sendo tentar entender a estratégia de política monetária do Fed (Federal Reserve, BC dos Estados Unidos). O evento do payroll (uma das estatísticas do mercado de trabalho, que gerou temor de recessão nos EUA), com desemprego subindo pelo quarto mês consecutivo teve resposta muito rápida, mas acabou se mostrando exagerado.
Como o episódio da bolsa de Tóquio?
A queda de 12% do Nikkei (principal índice da bolsa japonesa) foi um reflexo do payroll. No Japão também há inquietação com a questão fiscal, a dívida pública japonesa é uma das mais altas do mundo (ao redor de 250% do PIB, ou duas vezes e meia o valor de toda a riqueza produzida em um ano no país). Pela primeira vez, houve sinalização de alta do juro no Japão, que gerou preocupação com o fluxo global de recursos. Foram movimentos de realização parecidos, mas claramente exagerados. Não por questão emocional, mas pelo tamanho da correção de preços dos ativos financeiros.
Nesses dias de turbulência financeira, não era claro para ninguém o que estava acontecendo. E analistas profissionais têm de entender.
Qual foi o efeito líquido?
Apesar do ruído, os sinais que o Fed tem dado são muito claros. Prevaleceu a leitura positiva de que vai cortar o juro em setembro. Nos dias de turbulência financeira, não era claro para ninguém o que estava acontecendo. E analistas profissionais têm de entender. Teve muita reunião, vários motivos citados para tentar explicar o que ocorria. Isso sugeria que não refletia mudança de cenário econômico. Houve incerteza eleitoral nos EUA, com atentado a (Donald) Trump, desistência de (Joe) Biden, preocupação com dívidas dos EUA e do Japão. Mas nossa avaliação de que era realização 100% financeira acabou se mostrando correta. O mercado muitas vezes é difícil de entender, mas devemos ter um 2025 marcado por queda internacional de juro. E quando isso ocorre sem grande crise, é bem-visto pelos mercados, porque preserva a liquidez e empurra para o risco. Faz com que mercados emergentes, como o Brasil, sejam beneficiados.
Quando o juro começar a cair nos EUA vai subir aqui?
Em todo o mundo, ainda há impacto da pandemia. Está difícil reduzir a inflação. Nos EUA, caiu de 9% para 3% ao ano, mas não convergia para a meta de 2%, só agora começou. No Brasil, foi de 12% para 4%. O IPCA de julho teve resultado acumulado em 12 meses de 4,5%. Houve choques positivos, como queda de preços de alimentos e energia, mas a desinflação perdeu fôlego, no mundo e no Brasil. Essa "última milha", como chamam os banqueiros centrais, exige esforço maior.
A renda sobe e acaba permitindo repasse de aumento de preços de produtos e serviços, e a inflação roda em um patamar mais elevado.
Por que é preciso elevar o juro no Brasil?
Temos quadro de expansão fiscal com mercado de trabalho aquecido. Isso ocorre no mundo todo, mas há um dado que acompanhamos aqui no banco, um indicador novo do BC, que é a renda real disponível. Soma a do trabalho à dos programas de transferência de renda. No primeiro semestre, subiu 7,1%, ante o mesmo período de 2023. É um nível próximo aos 7,5% do primeiro mandato de Lula, com a alta das commodities. A renda sobe e acaba permitindo repasse de aumento de preços de produtos e serviços, e a inflação roda em um patamar mais elevado.
É assim tão grave?
Havia uma leitura predominante da maior parte dos economistas de que a partir de janeiro (quando passa a ser comandado por um indicado pelo presidente Lula), o BC seria tolerante com inflação mais elevada, nos moldes da gestão (Nélson) Tombini. Na época, a meta era 4,5%, com teto de 6,5%, ficou por volta de 6%. Hoje a meta é 3%, com teto de teto 4,5% e se imaginava uma repetição da era Tombini. Governos fazem escolhas, e este quis aumentar gastos para estimular o crescimento. Há três formas de formas de financiar: aumento de impostos - que tem limites -, expansão do endividamento e inflação. Para surpresa de muita gente, inclusive minha, há duas semanas a pessoa mais cotada para assumir a presidência do BC, Gabriel Galípolo, disse que não vai ser tolerante. A meta é 3%, e a inflação vai para 3%, avisou. O mercado viu um discurso cauteloso, responsável, com o BC coeso nas comunicações.
Depois que o BC sinalizou, as expectativas de inflação pararam de piorar. Mas não suficiente. O BC precisa provar que está falando sério, e fará isso agindo.
Como vê a tese de que só falar em alta de juro já ajuda, talvez não seja preciso aumentar?
O raciocínio é correto. Quando o BC fala em elevar juro, sobem as taxas de mercado (juros futuros), que geram impacto econômico efetivo. É um aumento do custo de capital que já desacelera a atividade econômica. Depois que o BC sinalizou a alta, as expectativas de inflação pararam de piorar. Mas não é suficiente. O BC precisa provar que está falando sério, e fará isso agindo. A experiência internacional mostra que bancos centrais em transição (mudança de direção) tendem a ser mais conservadores para construir reputação. Então, elevar o juro agora seria compatível com essa tendência e teria um ciclo político aceitável. Como a elevação tem defasagem (alta de juro costuma levar de seis a nove meses para esfriar a economia), começaria a fazer efeito em 2025, quando seria possível voltar a cortar, beneficiando o ambiente do ano eleitoral.
Quanto vai aumentar?
O BC vai ter de testar. O modelo que o BC usa sugere que, com o juro parado em 10,5%, o IPCA fica em 3,4%. É bom lembrar que esses modelos têm certo intervalo de confiança, não são absolutamente precisos. Ainda que com imprecisões, 3,4% para uma meta de 3% não é um desvio grande. Mas para garantir, é aconselhável fazer um ajuste pequeno, não um ciclo longo de aperto. Estimamos uma alta de 1 ponto percentual, para 11,5%.
Faz sentido ir calibrando aos poucos, começando com 0,25 ponto percentual. É preciso olhar o que está acontecendo com a economia real.
Qual sua posição no debate de como fazer, se de forma gradual ou de uma só vez?
Como ninguém sabe exatamente qual será o efeito, faz sentido calibrar aos poucos, começando com 0,25 ponto percentual. É preciso olhar o que está acontecendo com a economia real. Ajusta em 0,25 p.p. e, a cada cinco semanas (intervalo entre as reuniões do Copom), reavalia. O que está definido é que Selic em 10,5% ao ano não leva a inflação para o centro da meta.
Não vai ser difícil de explicar que, no mesmo dia em que os EUA finalmente começam a cortar, aqui vai subir?
O BC já está dizendo que a relação entre a política monetária dos EUA e a do Brasil não é automática. Quando corta lá, favorece fluxos de recursos para países emergentes, o que afeta a cotação do dólar, reduz custos de empresa, que repassam menos. Mas não sabemos como vai se dar esse processo, será preciso monitorar.
Sim, um juro real de 6% é alto. Mas o argumento é de que com Selic a 10,5% não teremos inflação de 3%.
Já não temos juro muito alto?
Sim, um juro real de 6% é alto. Mas o argumento é de que com Selic a 10,5% não teremos inflação de 3%. É a resposta pragmática.
É por isso que Galípolo repete o discurso do "chato da festa"?
A economia é uma ciência humana. Os canais de transmissão (da inflação) têm fator psicológico. Não se sabe como vão reagir a padaria, o restaurante. Elevar o juro agora seria um sinal de compromisso com gestão responsável na área monetária. O fiscal é outro debate.
Mesmo que a meta fiscal seja alcançada, não é suficiente para estabilizar a dívida, que não vai parar de subir.
O anúncio de cortes no orçamento não ajudou?
Ajudou. Depois que o mercado estressou o câmbio, houve reajuste de combustíveis, um sinal de realismo tarifário, e contingenciamento. E veio o decreto da meta de inflação contínua, confirmada em 3% ao ano.
Havia dúvida?
Sim, havia especulação no mercado de que o governo postergaria a publicação do decreto para mudar a meta. Quando saiu, ficou claro que não haverá tolerância com inflação acima de 3% ao ano. Esses fatores combinados ajudam a reancorar as expectativas. Mesmo que a meta fiscal seja alcançada, não é suficiente para estabilizar a dívida, que não vai parar de subir.