Anda difícil acompanhar o humor do mercado financeiro. Em poucas semanas, a preocupação com a resiliência da economia americana, que adiava o início do corte do juro nos Estados Unidos, virou temor de recessão, já dissipado. Em 11 dias, a bolsa do Japão despencou 12,4% e a bolsa do Brasil quebrou recorde de máxima intradiária. O economista André Perfeito, que atuou por décadas nesse ambiente e hoje atua como consultor e em cursos, admite que já errou por projetar para mais cedo o ciclo de baixa do juro nos EUA. Mas avalia que o mercado "errou muito" e agora precisa produzir teses para justificar mudanças de posição.
Como entender essa rápida sucessão de episódios que vem marcando o mercado financeiro, tanto no Brasil quando no Exterior?
O mercado está tendo de reorganizar sua posição. No Japão, o aumento na taxa de juro provocou uma queda violenta na bolsa, seguida de alta forte. Foi uma crise que não aconteceu. Revela que o mercado, muitas vezes, espera um sinal para realizar (vender ações que tiveram alta forte para embolsar os ganhos). A bolsa do Japão subiu cerca de 70% em cinco anos. O mercado esperava qualquer desculpa para realizar. Agora, se o juro começar a cair nos EUA, as bolsas podem continuar avançando no mundo.
Agora, sim, o juro vai cair nos EUA. A curva do juro mostra 100% de probabilidade de corte em setembro.
Nos EUA, em poucas semanas a preocupação com a atividade em bons níveis virou temor de recessão, que também se dissipou. Não foi tudo rápido demais?
A leitura de recessão também foi o mercado querendo mudar de opinião. Achavam que o juro ia começar a cair, depois que ia ficar alto por mais tempo. Foi um exagero para justificar a releitura. Agora, sim, o juro vai cair nos EUA. A curva do juro mostra 100% de probabilidade de corte em setembro. E o mais curioso é de que 30% apostam em corte de 50 pontos básicos (equivalente a 0,5 ponto percentual).
Não é a forma mais usual de condução do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), certo?
Não, deve começar com corte de 0,25 ponto percentual. No susto com o Japão, todo mundo correu para baixo da saia do Tesouro americano, o que fez o preço dos títulos subir. Há certo exagero, mas a política monetária nos EUA está mesmo muito restritiva, tanto que se esperavam cortes no começo do ano. Esses momentos de ajuste são complicados mesmo, então essas viradas de opinião acontecem.
Medida pelo índice EWZ, que reflete o ETF, a bolsa brasileira ainda está 27% abaixo de cinco anos atrás.
Recorde na bolsa brasileira estava no radar?
No Brasil, a bolsa vem avançando de forma constante, atingindo o máximo em reais. Mas em dólar, ainda não. Medida pelo EWZ (negociado em Nova York), que reflete o ETF (fundo que reflete o desempenho), a bolsa brasileira ainda está 27% abaixo de cinco anos atrás. O investidor estrangeiro pensa 'por que não, está barata'. Há muito receio no mercado de errar de novo. Não é bom para ninguém que a Faria Lima (avenida de São Paulo onde se concentram as instituição financeiras) perca dinheiro. Há motivos para a recuperação na bolsa: a massa salarial não para de subir, o desemprego está em queda. Com o Exterior indo bem, gera leitura positiva para a atividade econômica no Brasil. No Exterior, ainda tem de adequar muita coisa, o juro segue alto, há dúvida sobre a China. O melhor é comprar ações de empresas com negócios no Brasil. Quando cai o juro nos EUA, não é o real que fica forte, é o dólar que fica mais fraco, mas o efeito é o mesmo. Aqui existe esse perspectiva meio quixotesca, de ter de subir a taxa de juro. Se ocorrer, vai apreciar ainda mais o real. Errei, estava otimista, porque o juro nos EUA não caiu, mas agora há espaço para o real se apreciar.
A melhora da atividade econômica, no curto prazo, gera pressão sobre fatores inflacionários. Quando o real está perdendo para o dólar, também.
A justificativa de que a inflação está acima da meta é sustentável?
Há preocupações de duas origens. A melhora da atividade econômica, no curto prazo, gera pressão sobre fatores inflacionários. Quando o real está perdendo para o dólar, também. Indicadores de inflação, como o IGP-M, podem subir. Isso leva a uma postura mais cautelosa. Mas quando os EUA baixam o juro, é como se baixassem o sarrafo. Não para cortar o juro por aqui, mas daria para deixar aí. O mercado brasileiro está em posição complicada, porque entrou na leitura de juro mais alto. O mercado financeiro vem perdendo dinheiro há muito tempo por ter adotado posições erradas. Agora, se o BC não 'ajuda' o mercado, perde mais dinheiro e fica mais difícil ter liquidez. Se sai muito do eixo, fica com posição errática e gera muitos problemas. O BC está com o dilema de como reorganizar as expectativas no Brasil.
E pode aumentar o juro para isso?
Se subir, será 0,25 ponto percentual e basta, só para dar uma saída, ajudar o mercado em termos mais amplos. Com o corte de juro nos EUA, o dólar vai ficar mais fraco, a cotação pode voltar para perto de R$ 5. No ano passado, havia analista dizendo que a Selic cairia a 8% e eu era o 'terrorista' (Perfeito sempre sustentou que o juro básico não baixaria para um dígito).
A atividade econômica não está indo tão mal, a despeito da tragédia no RS. E o momento de reconstrução no Estado aponta para melhora na atividade mais à frente, porque vai haver demanda de cimento, ferro, asfalto.
A pressão por aumento aqui começou antes de haver uma perspectiva de corte nos EUA. Agora pode diminuir?
Momentos de alteração de cenário fazem com que essas avaliações oscilem muito rapidamente. Quando saiu o comunicado do Copom, foi considerado frouxo. Saiu a ata, o mercado se tranquilizou por ver espaço para subir a taxa. No mesmo dia, nos EUA, o mercado de lá começou a precificar corte de 0,50 ponto percentual. O Brasil tem dados econômicos relativamente bons. A atividade econômica não está indo tão mal, a despeito da tragédia no RS. E o momento de reconstrução no Estado aponta para melhora na atividade mais à frente, porque vai haver demanda de cimento, ferro, asfalto.
Não vai ser difícil explicar por que o juro cai nos EUA e sobe no Brasil?
É, porque se de fato houver o corte do Fed, no dia seguinte o dólar despenca ou real se aprecia fortemente e fica todo mundo com cara de tacho. Vão dizer 'acho que realmente não precisava subir a taxa de juro'. Se houver, será um movimento que será só uma saída para o mercado. Temos saldo comercial bastante positivo e novidade, que é a rubrica petróleo e derivados ter saldo positivo para o Brasil. Isso nunca aconteceu antes. Começou entre 2017 e 2018. Como a atividade tende a continuar positiva e o juro tende a cair nos EUA, com tendência de valorização do real, deve se resolver o descolamento entre a bolsa em reais e em dólar.
Só em falar que vai subir o juro, os juros longos caem, porque dá leitura de BC mais conservador e inflação no longo prazo mais comportada.
Como seria essa 'ajuda'?
Só em falar que vai subir o juro, de um jeito meio torto os juros longos caem, porque dá leitura de um BC mais conservador no curto prazo, com inflação no longo prazo mais comportada. Vão dizer que o BC está mais vigilante.
A iminente substituição no comando do BC é um fator de risco?
Agora está bastante tranquilo, o Galípolo (Gabriel, virtual futuro presidente do BC) tem falado até em alta do juro, o que o mercado quer ouvir. Também vão decidir os próximos diretores. Quem está cotado para a área de política monetária é Fernando Honorato, economista-chefe da Bradesco Asset Management, bem de mercado e bem conservador. Tudo o mais constante, é uma situação boa para o Galípolo.
O mercado financeiro tem errado há muito tempo, passando a ideia de piora maior do que é. E não precisa acreditar em mim, é só olhar o Ibovespa.
Tão boa assim?
O mercado financeiro tem errado há muito tempo, passando a ideia de piora maior do que é. E não precisa acreditar em mim, é só olhar o Ibovespa. Falando com alguns gestores, parece que o Brasil virou a Venezuela. Poderia ser, mas não é. A inflação está alta, mas não fora de controle. O país tem enormes reservas internacionais. Não há razão para pânico.
O câmbio tende a se tranquilizar?
Sim, houve um exagero, encostou em R$ 5,80. Ocorreu muito ruído no meio do caminho e o governo não conseguiu ancorar as expectativas. Agora está um pouco melhor. Ainda há um discurso de preocupação fiscal, que responde muito mais a um mal-estar anterior. Não quero dizer que não há motivo para preocupação fiscal. Há, mas não é tão agudo quanto a dinâmica do mercado às vezes faz parecer.