Ele tem mentalidade mais contemporânea do que muitas pessoas com menos idade. Elie Horn, que completa 80 neste ano, faz parte de uma vanguarda no Brasil: empresários que veem seu papel além do binômio "maximizar o lucro e perpetuar a empresa". Fundou a Cyrela em 1962 e, em 2015, entrou com a esposa, Suzy, no projeto The Giving Pledge, criado por Bill Gates (Microsoft) e Warren Buffett (Berkshire Hathaway) para estimular bilionários a doar ao menos metade de suas fortunas ainda em vida para causas sociais. Horn decidiu doar 60% de seus estimados R$ 3 bilhões, que ele evita confirmar. Para ajudar a disseminar essa cultura, lançou neste mês o livro Tijolos do Bem, que relata sua trajetória pessoal e espiritual, o crescimento da construtora e a importância da filantropia. Em uma rara entrevista, falou à coluna sobre suas motivações.
Um dos objetivos do seu livro é atrair mais pessoas para fazer o bem. Como está a disseminação dessa cultura no Brasil?
Está evoluindo, só que, como tudo, leva muito tempo para amadurecer. O importante é começar, um dia terminamos. Não cabe a mim terminar o trabalho, cabe a mim iniciar o trabalho. Vamos tentar, e um dia floresce e desabrocha mais. O bem é essencial à vida. A vida sem o bem não tem sentido. As crises nos testam para o bem, os problemas vêm e nos testam, tudo nos testa para o bem. O bem é a realidade do mundo inteiro, senão não tem sentido existir.
Nos Estados Unidos a cultura do give back, de devolver um pouco do sucesso obtido, é mais desenvolvida. Por que no Brasil não é tão disseminado?
O problema não está relacionado ao bem. As pessoas desconfiam de pessoas que fazem o bem, achando que têm outros interesses. Então, até que isso se resolva, até que haja confiança, até que haja mais frequência no bem, vai levar tempo. Acho que está avançando, não tão rapidamente como se deve, mas está evoluindo. Outro dia, por exemplo, estava falando com o Moinhos de Vento, um hospital de Porto Alegre. Quando terminamos a reunião, falei que queria pedir um favor, que doassem 1% dos lucros para ações sociais. Eles disseram que já me escutam há tempos e já abriram o fundo Moinhos de Vento. Isso já é muito bonito. Então, o que queria foi alcançado antes de eu saber. Pedi, mas já me escutaram faz tempo, já fizeram isso faz tempo, já se adiantaram. Esta é a minha vitória, entre aspas: o bem alcançar o máximo de pessoas possível. Com o Moinhos de Vento, foi por acaso.
Um avô que não cheguei a conhecer fez um orfanato para 3 mil pessoas na Primeira Guerra Mundial, arrecadando dinheiro na Inglaterra.
De onde vem a vontade de fazer o bem?
Um avô que não cheguei a conhecer fez um orfanato para 3 mil pessoas na Primeira Guerra Mundial, arrecadando dinheiro na Inglaterra. Meu pai, quando morreu, há cerca de 40 anos, doou tudo que tinha para pautas sociais. Aprendi que o valor da vida é o bem. E no meu caso, como sou empresário, mexo com dinheiro. Então, posso ajudar com dinheiro, com ideias. Quando minha mãe morreu, passei a analisar a sua perda. Não fiz tanto bem para ela durante a vida. Quis completar isso na morte. Quando se faz uma boa ação, é uma ajuda para as almas dos mortos. Comecei com essa verdade. Fazer mais bem para minha mãe e para o meu pai.
E, fazer o bem faz bem para quem faz, não é verdade?
Sem dúvida, faz bem para todo mundo e faz bem para você em particular. Faz bem para você não só aqui na Terra, como lá no céu. É um bem duplo.
O senhor é o que chamávamos de "self-made man". Teve ajuda para chegar onde chegou?
Quando era jovem, comecei a trabalhar com meu irmão. Ajuda, não sei. Fomos sócios por 10 anos, depois nos separamos. Mas comecei do zero absoluto. Ele também começou do zero.
Perseverança é uma grande qualidade. Aliás, serve para tudo na vida, não só para o bem. Serve para trabalho, casa, família.
O desenvolvimento de seus negócios se deve mais ao trabalho do que à ajuda que tenha recebido?
Não recebi ajuda. Diria que Deus ajudou, é bênção. Eu me fiz cedo e rápido, porque sou muito persistente, perseverante e assíduo. Perseverança é uma grande qualidade. Aliás, serve para tudo na vida, não só para o bem. Serve para trabalho, casa, família. Tudo precisa de disciplina e persistência.
O senhor vai doar 60 % da sua fortuna. Pode detalhar valores?
Isso, mas não falo em valores. O que conta é a ideia, não o número.
É 40% para a família, 60% para a sociedade, ponto. É uma conta corrente. Se hoje tenho 10, seis não são meus, quatro são meus.
O senhor mencionou disciplina, e a aplicou na hora de separar esses valores, é verdade?
É 40% para a família, 60% para a sociedade, ponto. É uma conta corrente. O dinheiro sempre está trabalhando, não está parado. As aplicações começaram há 20 anos. Espero terminar em mais 20 anos. Se hoje tenho 10, seis não são meus, quatro são meus.
Tem um fundo que administra esses recursos?
Várias pessoas trabalham nesse sentido.
E são instituições próprias do fundo?
A maioria não são próprias, são de terceiros.
E a alocação ocorre quando bons projetos aparecem?
Exatamente. É por tempo, tudo em 40 anos. É difícil botar a mão no bolso, mas, quando você promete, tem de cumprir.
Isso seria a ideal. Dar uma carga de um trabalho social a ser feito pelas empresas. Não de empresas para empresas, mas de empresas para o Brasil.
Existem muitos projetos pelo mundo propondo impostos sobre grandes fortunas. Qual é a sua opinião sobre isso?
Se for cobrar imposto, é diferente de dar diretamente para quem necessita ou ir para o caixa do governo. Se puder fazer um imposto para ajudar pessoas de certo nível de pobreza, vale a pena. Corta caminho, ajuda diretamente. Aliás, vou dar outra ideia melhor. Em vez de o governo cobrar imposto e distribuir, cada empresa pode assumir uma certa contribuição social e fazer de forma direta. Em vez de pagar R$ 10 mil de imposto, o empresário pode ser obrigado a fazer o bem no bairro, na favela. As pessoas privadas gerenciam melhor do que o setor público. Isso seria a ideal. Dar uma carga de um trabalho social a ser feito pelas empresas. Não de empresas para empresas, mas de empresas para o Brasil.
Qual é o papel das empresas hoje na questão social, ambiental?
As empresas têm de se conscientizar que o problema é nosso, não só do governo. Temos a obrigação de resolver problemas sociais. Agora, o problema é acordar. Quanto vamos levar, não sei, mas um dia vamos acordar.
O senhor é muito moderno, mas ainda há muitas empresas presas em conceitos do passado, de que empresas pagam impostos...
(interrompe) Não é passado nem presente. É uma questão de consciência.
Em quanto tempo podemos ter uma atividade mais organizada do empresariado nesse sentido?
Não sou profeta. Sou otimista, por natureza. Como sou otimista, vou produzir até morrer. Mais do que isso não posso fazer.
Como está vendo a economia no Brasil?
Sou otimista por natureza, ponto. Não desisto, não paro de lutar. Vou lutar até o fim, com todos os meus esforços. No fim, dá tudo certo. Não sou pessimista.
Mas está otimista apesar do cenário ou o cenário contribui para o otimismo?
Trabalho faz 60 anos, com muitos altos e baixos. Estou acostumado a apanhar, ganhar, perder. Faz parte da vida. Tem de saber apanhar e não reagir. Se você reagir, está emocionalmente perdido.
É preciso ter força coletiva para resolver os problemas. Não adianta cada um atacar um ponto por vez.
O que uma pessoa com essa experiência teria a sugerir para os gaúchos, que perderam muito com a enchente?
É preciso ter força coletiva para resolver os problemas. Não adianta cada um atacar um ponto por vez. Tem de ser todo mundo junto. Tem de se unir ao governo, aos sindicatos. Uma pessoa só não vai resolver nada. E deixar de fazer besteira de duas pessoas ajudarem no mesmo lugar quando não precisa, deixando de defender o que precisa.
Tem alguma coisa importante que eu não tenha lhe perguntado e o senhor queira dizer?
Quero terminar como comecei. O bem é essencial para a vida. Vamos fazer o bem, vamos divulgar o bem, isso é o mais importante. O resto é detalhe. Em vez de eu pensar no bem quando morrer, vamos fazer o bem em vida para não nos arrependermos depois de não ter feito.
*Colaborou João Pedro Cecchini