Desde 2022, César Gioda Bochi é diretor presidente do Banco Cooperativo Sicredi e da Confederação Sicredi, onde atua há 25 anos. Formado em administração de empresas pela UFRGS, tem passagens pela Insead e pela Harvard Business School. O executivo comanda toda a operação da sexta maior instituição financeira do país da sede nacional da Avenida Assis Brasil, e, edifício com ares de multinacional inovadora.
Como o Sicredi atuou na enchente e como projeta o pós-enchente?
O Sicredi tem diferentes papéis. As 104 cooperativas fazem a relação com o associado, sentem as dores e atuam de forma rápida. A central coordena o desenvolvimento regional, e o centro administrativo atua na relação com o mercado financeiro nacional e internacional e com o governo, para viabilizar que produtos e serviços cheguem na ponta. A enchente doeu muito, porque é nosso Estado, nascemos aqui há 122 anos. O Sicredi é nacional, mas 30% do nosso negócio está no Rio Grande do Sul, sejam ativos ou agências. A primeira ação foi ajudar os colaboradores. Das 3,5 mil pessoas do centro administrativo de Porto Alegre, 600 tiveram de sair de casa. Ajudamos a recolocar, pagamos hotel ou hospedagem. Antecipamos o salário, pagamos adicionais para ajudar na reconstrução e, durante mais de um mês e meio, liberamos para fazer voluntariado.
Com remuneração do Sicredi?
Claro, remunerado, sem qualquer problema. Ao contrário, valorizando por isso. Não fizemos favor para o colaborador. Em paralelo, tínhamos segurança nas operações, porque aqui é o centro administrativo do Sicredi para o Brasil todo. Existia uma redundância de contingência caso a água chegasse aqui.
Houve preocupação de a água chegasse?
Não, porque nosso espaço fica a 17 metros de altura. Mas se chegasse, teríamos outro lugar mais alto em Porto Alegre. Mas conseguimos, por esse privilégio, abrigar a área estratégica da Defesa Civil e cooperativas que não tinham onde atender o associado, a própria Central Sul.
Aprendemos muito em setembro do ano passado, da primeira enchente. Elaboramos um guia de recuperação de desastres que não existia no Sicredi.
Havia um plano elaborado?
Aprendemos muito em setembro do ano passado, da primeira enchente. Elaboramos um guia de recuperação de desastres que não existia no Sicredi. Nascemos e ainda somos muito fortes no agro, que vive a questão climática. Nos últimos cinco anos, foram três de estiagem, mas o agro sabe como lidar. Está no risco da atividade. Desta vez, a enchente atingiu a todos. Pelas lições de setembro e de janeiro passado, estávamos mais resilientes e conseguimos reagir, com prorrogação de parcelas de crédito, fatura de cartão de crédito, aluguel de maquininha. Tudo foi feito para que o associado não precisasse se preocupar.
Em que outras frentes atuaram?
Nas relações com o governo, para que todas as linhas e recursos fossem direcionados para as cooperativas de crédito, em especial porque é o Rio Grande do Sul. Em cerca de 80 municípios gaúchos, o Sicredi é a única instituição financeira. Temos a maior capilaridade no Estado, estamos em 97% dos municípios. Tem o termo econômico 'histerese', que é a falta de capacidade de recuperação rápida, como aconteceu em New Orleans. Muda o patamar econômico para baixo. Então, o tempo de reação é determinante para as pessoas também levantarem a cabeça e verificarem que têm alternativa. Então, temos, por um lado, a tristeza do momento, mas por outro, a oportunidade de mostrar o valor do cooperativismo.
Esse equilíbrio viabiliza que a gente cresça entre 20% e 30% ao ano em ativos de crédito, com taxa de inadimplência abaixo do mercado.
O Sicredi é a sexta maior instituição financeira do país, mas tem agência nas menores cidades do Estado. Como concilia essas duas escalas?
Tem uma governança importante. São 104 cooperativas, cada uma é uma empresa. Tem sua diretoria, seus conselhos, seus colaboradores, seu balanço. Mas como parte do Sicredi, adere a normas comuns, porque temos o princípio do risco solidário. Nunca uma cooperativa do Sicredi vai quebrar. Ou vai ter um fundo que vai ajudar a absorver, ou todo o Sicredi vai ajudar a recuperar. Sem aderência a normas sistêmicas, há diferenciação no apetite ao risco. As cooperativas têm conselho e o presidente eleito pelos associados. Esses presidentes elegem os presidentes e os conselhos das centrais. E os presidentes das centrais têm assento na Sicredi Participações. Nenhuma norma é imposta, quem aprova são as cooperativas. Depois de aprovado, vale para todo mundo, e todo mundo tem que seguir. Esse modelo de atuação privilegia a atuação local, porque toda decisão de risco de crédito é da cooperativa, que conhece a cadeia de valor em que funciona. Não é uma relação só de crédito de consumo e venda. Somos muito fortes no crédito de fomento, seja no agro ou em pessoa jurídica. Esse equilíbrio viabiliza que a gente cresça entre 20% e 30% ao ano em ativos de crédito, com taxa de inadimplência abaixo do mercado.
E como são tratados esses resultados?
Devolvemos parte em ações sociais. Só no ano passado foram R$ 400 milhões em ações sociais pelo Sicredi do Brasil. Do resultado de cerca de R$ 6,9 bilhões no ano passado, cerca de R$ 3 bilhões voltaram para o associado. Conseguimos ser competitivos no produto, agregamos ações sociais e ainda devolvemos recursos para o associado. Nada mais legítimo nessa dificuldade de agora. O Sicredi é do associado, senão não teria sentido existir. Isso nos faz crescer de forma acelerada. Duplicamos de tamanho a cada três anos. Neste ano, vamos abrir 250 agências no Brasil.
Senso de comunidade não se faz à distância, não se faz pelo digital, ainda mais no nosso modelo de negócio, de crédito de fomento.
O sistema financeiro tradicional está enxugando a sua rede. Por que abrir tanta agência?
São modelos de negócios diferente. O sistema financeiro tradicional olha a agência como um centro de custos. Para nós, é um centro de conexão local. Então, não tem sentido ter Sicredi se for só digital. Hoje, 96% das nossas transações financeiras são feitas via aplicativo. Cerca de 70% dos associados não foram às agências no ano passado. A agência ajuda a qualificar a construção de crédito pelo conhecimento das cadeias produtivas, por estar próximo, por entender a reputação das pessoas, os relacionamentos, as redes de funcionamento. Senso de comunidade não se faz à distância, não se faz pelo digital, ainda mais no nosso modelo de negócio, de crédito de fomento.
Como está o avanço nas empresas?
Somos o segundo mais financiador do agro no Brasil, o maior do BNDES. Depois da pandemia, a pessoa jurídica é o novo agro do Sicredi. É o segmento em mais crescemos, são mais de 1,1 milhão associados. Cerca de 75% são micro e pequenas empresas, 20% são microempreendedores, o restante é média e grande empresa. Somos o maior repassador do BNDES para micro e pequena empresas no Brasil, não só do agro. Nosso foco é em crescer o bolo, e isso só se consegue com crédito de fomento.
Estamos em 2 mil dos 5,5 mil municípios do Brasil. Então, tem muito trabalho pela frente ainda para levar a força do cooperativismo.
O foco do Sicredi será crescer pelo Brasil?
É, o Sicredi cresceu com o agronegócio, por Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, depois Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, um pouco do Pará. O crescimento começou há mais de 15 anos, para São Paulo, Rio de Janeiro, Nordeste. Agora, crescemos mais em Minas Gerais e Espírito Santo. Faz cerca de cinco anos que a Central Sul está em Minas. O Estado tem 800 municípios, já estamos em 200. Também estamos crescendo muito no Norte do Brasil. O Banco Central vê no cooperativismo um instrumento de aceleração de inclusão e educação financeira, com maior competição. Mas também demanda que temos de crescer mais no Norte e Nordeste do Brasil.
É uma demanda do BC?
Sim, porque percebe o valor do cooperativismo. Por exemplo, no Amazonas, onde abrimos agência há uns três anos, os primeiros clientes chegaram na agência chegavam com um 'pastinha' (intermediário). Não sabiam que podiam abrir conta sozinhos e estavam dispostos a dar 20% ou 30% do empréstimo ao 'pastinha'. Bem-estar financeiro é um problema social do Brasil. Hoje, tem 70 milhões de pessoas com restrição no Serasa. Esse crescimento será em todo o Brasil. Claro, no RS estamos mais consolidados. Por isso, na organização do Sicredi no Brasil, dois Estados foram alocados para o Rio Grande do Sul, que são Minas Gerais e Espírito Santo. A Central Paraná cresce em Rio de Janeiro e São Paulo. A de Mato Grosso, cresce mais no norte do Brasil. No ano passado, fechamos o mapa de atuação do Sicredi, abrindo agência em Roraima. Agora estamos em todos os Estados. Estamos em 2 mil dos 5,5 mil municípios do Brasil. Então, tem muito trabalho pela frente ainda para levar a força do cooperativismo.
Conseguimos, com desenvolvimento local, gerar riqueza, que gera impacto social, preservando o meio ambiente.
O Sicredi já tem ESG no modelo cooperativo, mas como pratica?
O modelo cooperativo é sustentável pela essência. Quando abrimos uma agência, não temos prazo para fechar. Estamos ali para fazer a região crescer. Não concedemos crédito a associado que vai prejudicar o meio ambiente local, porque temos de prestar contas a todos. O primeiro pilar do nosso ESG é a resiliência climática, porque precisamos levar educação, conhecimento e alternativas, ajudar a ver alternativas de diversificação e de proteção do patrimônio e da atividade. Outro é o bem-estar financeiro, com educação, jornada financeira orientada e inclusão. E um terceiro pilar é o desenvolvimento local. Não tem ambiental sem social e não tem social sem econômico. Conseguimos, com desenvolvimento local, gerar riqueza, que gera impacto social, preservando o meio ambiente.
É propósito e também é condição?
Nos últimos 10 anos, estamos fazendo parcerias com instituições de fomento de fora do Brasil, como Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento Alemão, Banco de Desenvolvimento Francês, Banco de Desenvolvimento Europeu, fundos de investimento do Japão. Queremos que essas instituições entendam nosso modelo de negócio, vejam o Sicredi como canalizador de recursos para fazer a diferença local.
*Colaborou João Pedro Cecchini