Parece obra de ficção: o dono da rede social X (ex-Twitter), Elon Musk, achou apropriado apontar "censura" no Brasil. Considerou adequado, ainda, derrubar todas as restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a contas do X.
Em reação, o ministro do STF Alexandre Moraes incluiu o bilionário como investigado no inquérito das milícias digitais por "dolosa (ou seja, intencional) instrumentalização" da rede social. Também abriu inquérito separado sobre Musk por obstrução de Justiça, "inclusive em organização criminosa e incitação ao crime". E o dono do X afirmou que o ministro "viola as leis brasileiras" e, por isso, deveria "renunciar ou sofrer impeachment".
No momento desse inusitado embate, Musk é o quarto mais rico do planeta conforme o Bloomberg Billionaires Index, atualizado diariamente (confira aqui). No último ano, perdeu US$ 48 bilhões em "valor de mercado" - o ranking tem base no valor dos negócios, que varia conforme os preços de suas ações.
O que é isso? David contra Golias? Desobediência civil de lá? Excessos de cá? Se não estivesse ocorrendo na frente do nosso nariz, seria uma obra de ficção daquelas bem pouco fiéis à realidade. E, no entanto, são fatos, portanto é preciso entender seu contexto e possíveis desdobramentos.
Há muito tempo, antes de comprar o Twitter e transformá-lo em X, Elon Musk temperou sua biografia de visionário realizador com excentricidades sem aparente intenção política, como uma venda incentivada de lança-chamas.
Mas antes de deduzir que se trata de um piloto do que pode se transformar a direita alternativa com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, é bom lembrar que, há cerca de um mês, Musk afirmou que não doaria dinheiro para nenhum dos candidatos à presidência dos Estados Unidos: nem Trump nem Joe Biden (confira aqui). Em sua biografia lançada no ano passado, o bilionário disse ao autor que não é fã de Trump, a quem considera "perturbador" (leia aqui).
Mesmo que mantenha essa posição - de Musk, sempre se pode esperar tudo -, o bilionário abraçou teses de parte de um dos polos da disputa política no Brasil. E por mais que tenha transformado carros elétricos em objetos de desejo, redesenhado a corrida espacial e tenha a quarta maior fortuna do planeta, o bilionário não é dono do mundo nem senhor das leis universais. Ainda não, pelo menos. Não pode se insurgir pública e agressivamente contra leis nacionais sem consequência.
O duplo salto institucional carpado de Musk ocorre no momento em que o Brasil - um dos maiores usuários de redes sociais no mundo - se prepara para tentar regular esse negócio que não é movido por liberdade de expressão, mas por algoritmos, que em nome da audiência priorizam aqueles com supercarga de ressentimento e ódio, que engajam mais do que vídeos de gatinhos.
Se dá também no momento em que a opinião pública americana começa a sofrer tamanha inflexão sobre as big techs que fez o Congresso abrigar uma sessão cheia de fortes reprimendas de parlamentares republicanos - do partido de Trump -, não de democratas. Não é simples, não é linear. Mas é preciso prestar muita atenção.