A coluna se surpreendeu com a surpresa (repetição proposital, ironia on) provocada pela menção do episódio da venda de lança-chamas capitaneado por Elon Musk em nome da The Boring Company, a menos conhecidas de suas empresas (clique aqui para ver o site).
Em tempos de polarização, os elementos de luzes e sombras na trajetória empresarial de Musk até a compra do Twitter costumam ser citados em fatias. A coluna vai tratar dos dois aspectos, não sem antes esclarecer: o nome da The Boring é, sim, uma ironia, mas "boring", além de significar "chato, aborrecido", também é "perfuração": a empresa foi criada para viabilizar túneis mais baratos e desafogar o trânsito nas grandes cidades.
Aliás, "viabilizar" é uma palavra-chave no entendimento da atividade empresarial de Musk. Então, antes, as luzes: sim, o bilionário já nasceu em berço de ouro, mas tem uma lista de conquistas que ultrapassa, em muito, a média, mesmo a dos empreendedores privilegiados. Começou ajudando a abrir caminho para fintechs e meios alternativos de pagamento — no limite, até à criação do Pix — com uma parceria no PayPal.
Depois, quando carros elétricos eram considerados geringonças imprestáveis, construiu a Tesla do nada, transformou a recarga na tomada em objeto de desejo e abriu caminho para a eletrificação da mobilidade e a substituição dos combustíveis fósseis. Com a Space X, conseguiu o feito de retomar a corrida especial ao transformar foguetes em veículos recicláveis: não é pouca coisa. Há prioridades mais urgentes e é maluquice querer colonizar Marte? Provavelmente, mas isso não diminui o tamanho do feito.
No capítulo das sombras, o episódio da venda de lança-chamas é simbólico, mas há outros aspectos menos luminosos. Musk já foi acionado diversas vezes pela poderosa Securities Exchange Commission (SEC, a equivalente da CVM nos Estados Unidos) por manipulação de mercado. A mais recente (clique aqui para ver) foi pela falta de comunicação formal ao mercado compra da primeira fatia do Twitter. São regras quase superadas, já que nada foi mais público? Sim, mas é também um indício que o homem mais rico do mundo quebra com frequência as regras do jogo.
A atuação de Musk com criptomoedas também gerou acusações de manipulação. Só para citar episódios específicos (há muitos mais), a cotação do bitcoin disparou quando ele anunciou que a Tesla havia feito uma compra bilionária e murchou quando ficou clara a limitação da iniciativa. Ainda inflou versões criadas a partir de memes, disseminado confusão no mercado. Essas atuações só precisaram de uma ferramenta: um tuíte.
A coluna está longe de ser uma "muskóloga", até porque abordar toda a complexidade do personagem exigiria dedicação exclusiva, então nem pensa em entrar em aspectos pessoais, igualmente polêmicos e midiáticos. Mas aprofundar —ainda que a um nível básico —, a compreensão do bilionário que pode mudar a história das redes sociais é essencial para entender seu eventual sucesso ou fracasso. Os "muskófilos" preveem que o novo dono do Twitter vai fazer com esse universo o mesmo que fez com os carros elétricos e os foguetes espaciais: encontrar uma solução que baixe o custo, amplie o acesso e viabilize a atividade. Quem viver, verá.
E só para constar: conforme o ranking da Forbes em tempo real, a fortuna de Musk, nesta quarta-feira (27) é de US$ 268,2 bilhões, o equivalente a seis vezes o preço pago pelo Twitter.