Foi por um triz, mas a inflação de 2023 fechou em 4,62%, portanto dentro do teto da meta de 4,75%. A "folga" de apenas 0,13 ponto percentual vai poupar o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, de publicar uma carta explicando os motivos de o IPCA ter estourado o limite superior, como havia feito nos últimos dois anos.
Apesar da aceleração já prevista pelo mercado, a subida de 0,56% em dezembro foi a menor para o mês desde 2018, quando havia registrado meros 0,15%. No ano, foi a menor desde 2019, que fechou com IPCA acumulado em 12 meses de 4,31%. Mesmo assim, veio com sinal de alerta: o índice de difusão, que mede quanto a a inflação está espalhada, subiu de 52% para 65%.
O regime de metas de inflação prevê que o presidente do BC dirija ao ministro da Fazenda uma carta pública não apenas detalhando os motivos do descumprimento com listando medidas adotadas para recolocar o indicador dentro da meta. Foi o que fez Campos Neto em 2021 e 2022. No ano seguinte ao em que o Comitê de Política Monetária (Copom) começou a cortar o juro básico, foi liberado da tarefa constrangedora.
Isso não significa que na reunião dos dias 30 e 31 o Copom se sinta à vontade para aumentar o ritmo de corte na Selic. A expectativa é de que seja mais uma tesourada básica de 0,5 ponto percentual, depois da manutenção do plural que marcou o mais recente comunicado. Para este ano, a meta é mais apertada: 3%. A margem de tolerância leva o teto a 4,5% em 2024. Portanto, a calibragem do BC precisará ser ainda mais cuidadosa.
Economistas cautelosos não descartam a hipótese de uma aceleração nos cortes para fatias de 0,75 ponto percentual depois de janeiro. O "consenso do mercado" - a maioria das cerca de cem instituições financeiras e consultorias consultadas no boletim Focus do BC - é de que a Selic chegue ao final deste ano em um só dígito, de 9%. Mas como disse à coluna o economistas-chefe do banco Master, Paulo Gala, há apostas de 10% e de 8% também com bons argumentos.
Caso o "consenso" esteja certo, será preciso cortar um total de 2,75 pontos em 2024. Como haverá oito reuniões do Copom ao longo do ano, caso o ritmo seja mantido em 0,5 p.p. até julho, "sobrariam" 0,25 p.p. Poderia haver a poda derradeira na reunião seguinte, em setembro. Ou, quem sabe, a tão esperada e sempre desencorajada afiada na tesoura para um corte de 0,75 p.p. ocorreria antes - sempre e quando a inflação seguir sob controle.
E 2024 será, ainda, o último ano da meta fixada anualmente. Em 2025, começa a vigorar a chamada "meta contínua", que na prática significa manter 3% na mira por dois anos.
Curiosidade: o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deixa o cargo em dezembro deste ano. Se a inflação de 2024 ficar acima do teto da meta, haverá uma situação estranha: ou ele fica mais alguns dias no cargo, até que o IPCA seja anunciado pelo IBGE no início de janeiro de 2025, ou seu sucessor terá de escrever a tal cartinha de explicações. Em meio a tantas incertezas, há bastante segurança de que, caso isso ocorra, a assinatura será a do atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo.