Como ainda havia certo suspense, a frase inicial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) deu até um certo arrepio:
— Anunciei ao Conselho, porque é uma prerrogativa do presidente da República...
Por alguns segundos, pareceu que o anúncio poderia incluir a temida - no mercado - mudança na meta numérica de inflação. Mas não foi nada disso. O que Haddad anunciou foi a adoção da meta contínua, amplamente esperada e desejada entre economistas ortodoxos. Como cereja do bolo, o ministro também confirmou que a meta de inflação para 2026 segue em 3%.
Detalhe: a meta contínua passa a vigorar em 2025, ou seja, depois do fim do mandato de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central (BC) - ele está garantido no cargo até dezembro de 2024.
A bolsa, que já antevia a festinha, soprou as velinhas: fechou em alta de 1,5%, e deve guardar ânimo para subir mais no dia seguinte, tamanho o alívio que a decisão traz a investidores e especuladores. Com havia afirmando na véspera o ex-diretor do BC e economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, quase todos os demais países que usam o sistema já haviam migrado para a meta contínua:
— A demora é que é o ponto fora da curva.
Como disse Haddad na entrevista coletiva em que fez os anúncios, embora a meta contínua não tenha prazo definido - se não, não seria "contínua" -, na prática o acompanhamento da meta deve ocorrer a cada 24 meses. Segundo o ministro, isso permite absorver eventos temporários, como choques externos - como a inflação gerada pela pandemia e pelo desarranjo das cadeias globais -, sem elevar tanto a taxa de juro.
Tanto em declarações públicas de seu presidente, Roberto Campos Neto, como na ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central já atuava como se meta contínua houvesse. Campos Neto havia afirmado, no final de março, que "se fosse cumprir a meta de inflação em 2023, teria que ter juro de 26,5%". Na ata, os diretores que resistem a um corte de juro em agosto apontam a necessidade de "reancorar as expectativas longas". Ou seja, para além do ano, o que só faz sentido com meta contínua.
Ou seja, enquanto Lula esbraveja críticas ao BC para parte significativa de seu eleitorado, Haddad, ao lado da colega do Planejamento, Simone Tebet, e do próprio Campos Neto - os três compõem o CMN - os executores de políticas públicas tocam o barco para o porto seguro.
Como funciona o regime de metas
Para garantir que o Brasil não voltará a ter inflação descontrolada, em julho de 1999 foi adotado o sistema de meta de inflação, já empregado em vários países. Veja como funciona:
- O Conselho Monetário Nacional (CMN) define uma meta de inflação, ou seja, o máximo que pode ser tolerado sem aumento no juro. Essa meta tem um centro e dois intervalos de tolerância de igual tamanho. Para este ano, o centro é 3,25%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Ou seja, o teto é de 4,75% em 2023, com a maioria das projeções estimando inflação de 5,06% no ano.
- O CMN é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do BC (veja detalhes clicando aqui).
- Desde o início da vigência do sistema, o CMN define, sempre no mês de junho, a meta para três anos adiante. Ou seja, um dos objetivos da reunião desta quinta-feira (29) foi definida a meta de 2026. As metas de 2024 e 2025 já foram fixadas: 3% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Isso significa que o máximo tolerado será de 4,5%.
- Com a mudança, neste ano e no próximo segue a regra atual, ou seja, com cumprimento da meta ao final de cada ano. A partir de 2025, passa a vigorar a meta contínua, também de 3% até 2026.
- Isso significa que, se em 2023 e 2024 o BC não ficar dentro das margens de tolerância - máxima de 4,75% neste ano e 4,5% no próximo - o presidente da instituição terá de escrever uma carta aberta dirigida ao ministro da Fazenda explicando os motivos do descumprimento e medidas para evitar que isso ocorra.