Na véspera da mais esperada reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de todos os tempos, o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) Mario Mesquita, hoje economista-chefe do Itaú, afirma que é positiva a mudança mais esperada no mercado, que transformará a meta de inflação anual em contínua.
Se houver aumento da meta - o que não é a sua e a expectativa de mercado - já fixada em 3% para 2024 e 2025, no entanto, a tendência é de que os preços também voltem a subir.
— É importante ter uma decisão sobre a meta que favoreça a reancoragem das expectativas (projeções do mercado na mesma direção). Isso facilita a flexibilização monetária. Se atrapalhar as expectativas, atrapalha a flexibilização (corte do juro). Espero convergência nas decisões desta semana — disse Mesquita ao apresentar as novas projeções do Itaú para a economia.
Segundo o economista-chefe do Itaú, o Brasil foi um dos primeiros países emergentes a adotar o regime de meta de inflação, mas um dos últimos a chegar à meta permanente.
— A demora é que é o ponto fora da curva — sustentou, ponderando que, a partir da mudança esperada para a quinta-feira (29), o BC vai "definir tecnicamente o prazo de convergência" (entre a meta e a inflação efetiva) e "prestar contas à sociedade regularmente, com cartas abertas de tempos em tempos".
A coluna lembrou que outros economistas, como Sergio Werlang, responsável pela implantação do regime de metas, consideram 3% uma meta muito baixa, especialmente pela rigidez orçamentária do Brasil.
— Problemas fiscais devem ter solução fiscal, não fazer política monetária que acomode o problema fiscal. Inflação é uma forma de imposto, que quem paga é a população de renda mais baixa, que não tem acesso a mecanismos de proteção dos bancos. Se aceita inflação mais alta para acomodar, joga o custo para essa população. E não há programa de transferência de renda que resista a inflação alta. Sem perseguir 3%, chegamos perto várias vezes. Por isso, considero factível e desejável essa meta — respondeu Mesquita.
O Itaú projeta crescimento de 2,3% do PIB neste ano, já contando com desaceleração da economia no segundo semestre. Se isso não ocorrer, observou Mesquita, pode chegar a 3%. O economista observou que a atividade econômica vem surpreendendo positivamente o mercado nos últimos anos. Para o câmbio, a projeção do banco para o final do ano é de R$ 4,95, ou seja, alguma depreciação do real em relação ao dólar. E detalhou:
— Cerca de 70% da variação do real é o dólar se movendo ante outras moedas. Então, o contexto internacional está favorecendo. Mas há também uma redução no risco-país, que aqui acompanhamos com uma medida que inclui inflação, bolsa e preços de ativos. E esse indicador começou a cair na época em que o arcabouço fiscal foi apresentado. Os prêmios de risco sugerem que o anúncio teve algum efeito. Então, não dá para atribuir (a baixa do dólar) só ao contexto internacional. Isso não é uma opinião, é o que os preços de ativos estão informando.
Como funciona o regime de metas
Para garantir que o Brasil não voltará a ter inflação descontrolada, em julho de 1999 foi adotado o sistema de meta de inflação, já empregado em vários países. Veja como funciona:
- O Conselho Monetário Nacional (CMN) define uma meta de inflação, ou seja, o máximo que pode ser tolerado sem aumento no juro. Essa meta tem um centro e dois intervalos de tolerância de igual tamanho. Para este ano, o centro é 3,25%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Ou seja, o teto é de 4,75% em 2023, com a maioria das projeções estimando inflação de 5,06% no ano.
- O CMN é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do BC (veja detalhes clicando aqui).
- Desde o início da vigência do sistema, o CMN define, sempre no mês de junho, a meta para três anos adiante. Ou seja, se não houvesse alteração, na reunião desta quinta-feira (29) seria definida a meta de 2026. As metas de 2024 e 2025 já foram definidas: 3% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual. Isso significa que o máximo tolerado será de 4,5% em cada ano.
- Pela regra em vigor, o CMN define a meta para o BC cumprir até dezembro de cada ano. Em 2021 e 2022, o objetivo não foi atingido. Nesses casos, a única consequência é a obrigação de o presidente da instituição publicar uma carta explicando os motivos do descumprimento e medidas para evitar que isso ocorra.
- Com a mudança de governo, surgiu expectativa de mudança nas regras do regime. Uma das hipóteses era mudar a meta de 3%, considerada apertada demais para o Brasil, que tem economia menos estável e orçamento mais rígido do que outros países. Até Sergio Werlang, ex-diretor do BC que implantou o sistema - um economista ortodoxo, ou seja, que considera essencial o combate à inflação -, avalia que a meta deveria ser mais alta. Para comparar, nos Estados Unidos, a meta é de 2%.
- No mercado financeiro e entre economistas ainda mais ortodoxos, no entanto, a mudança de meta é considerada uma ameaça à credibilidade do sistema. Quando esse debate começou, houve queda na bolsa e alta no dólar. Por isso, a expectativa para a reunião do CMN de quinta-feira (29) se restringe a uma mudança: a confirmação de que não haverá mais cobrança de cumprimento ao final de cada ano. Seria a chamada "meta contínua".