A tão esperada carta do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, para explicar por que a inflação de 2021 não ficou dentro do teto da meta, tem seu parágrafo mais lido no mercado financeiro só na página de número 13.
A carta saiu poucas horas depois que o IBGE confirmou a primeira inflação de dois dígitos desde 2015, de 10,06%, quase o dobro do teto da meta, de 5,25%.
As regras do sistema de metas de inflação do BC determinam que a carta tem de conter os motivos pelos quais a meta não foi cumprida, as providências para que volte a ficar dentro do limite e em que prazo provocarão efeitos.
A maior expectativa sobre o texto estava sobre o terceiro tópico, que sinaliza as próximas decisões do BC sobre o juro básico. O texto não autoriza pensar em um Comitê de Política Monetária (Copom) transformado em torniquete. Campos Neto afirma que "em 2022, a inflação ainda se mantêm superior à meta, embora dentro do intervalo de tolerância, em virtude dos efeitos inerciais da inflação de 2021" e se compromete a levar a inflação à meta em "horizonte relevante". Na leitura do mercado, isso significa 2023.
No mais recente Boletim Focus, a projeção de inflação para este ano é de 5%, ou seja, exatamente no teto da meta. A projeção do BC é de 4,7%, com 0,3 ponto percentual de "oxigênio" em relação ao teto. Significa que o risco de uma nova carta, ao final de 2022, não é desprezível.
Veja o trecho crucial
"As projeções condicionais do BC são de que a inflação entre em trajetória de queda já no início de 2022, terminando o ano em patamar significativamente inferior ao de 2021. No Relatório de Inflação de dezembro de 2021, as projeções condicionais apontam para inflação de 4,7% em 2022 (queda de cerca de 5,4 p.p. em relação a 2021), 3,2% em 2023 e 2,6% em 2024, ante metas para a inflação de 3,5%, 3,25% e 3,00%, respectivamente. Portanto, o cenário é de convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante. Nesse cenário, em 2022, a inflação ainda se mantêm superior à meta, embora dentro do intervalo de tolerância, em virtude dos efeitos inerciais da inflação de 2021. Esses efeitos são contrabalançados pela política monetária, embora não de forma integral, em virtude das diferenças temporais entre os impactos inerciais dos choques, de prazo mais curto, e os efeitos da política monetária, mais concentrados no médio prazo. As expectativas de inflação da pesquisa Focus (7/1/2022) também apontam para redução significativa da inflação em 2022, embora em menor magnitude, com valores em torno de 5% para 2022 e 3,4% para 2023."