Uma declaração do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, espalhou calafrios no mercado financeiro e entre economistas. Só não teve impacto nos indicadores de bolsa e dólar porque na quinta-feira (31), quando foi pronunciada, todas as atenções estavam voltadas para o marco fiscal.
— Se fosse cumprir a meta de inflação em 2023, teria que ter juro de 26,5% — disse Campos Neto, ao apresentar o Relatório Trimestral de Inflação.
A tentativa do presidente do BC foi mostrar a flexibilidade do Comitê de Política Monetária (Copom). Era um argumento para defender que o combate à inflação via juro alto é feito também com a preocupação de suavizar os impactos na atividade econômica. Na lógica que quem tem modelos macroeconômicos funcionando na cabeça, pode fazer sentido.
Mas em um momento de debate aceso sobre o impacto do juro alto na economia brasileira, a projeção soa quase absurda. Uma Selic de 26,5% equivaleria a juro real na casa de 20%, algo de que não se tem notícia no Brasil desde que o Plano Real moderou os níveis inflacionários, a não ser em raros momentos de crise agudíssima.
Outro efeito colateral - não se sabe se desejado ou não - da frase é retomar o debate sobre a adequação das metas de inflação fixadas para este e os próximos anos. Esse é um tema que não une apenas heterodoxos ou quem que "mudar as regras durante o jogo". É mais profundo e mais complexo do que isso.
Ainda não está muito claro, mas há vozes se erguendo para além do governo Lula contra o juro alto, por motivos que começam a ficar mais claros. Especialmente no mercado financeiro, esse som é mais audível do que o produzido por políticos com fama de gastadores. E embute o risco de ruído, barulho e trovão se a quebra de empresas começar a acumular cacos aos pés do maior juro real do mundo. Isso quer dizer irresponsabilidade? Não soa assim.